Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Gravações de Calero podem ter sido feitas pela PF

calero

Como vem sendo dito nesta página, o que impressiona é a velocidade alucinante da deterioração do golpe. Aos seis meses de vida, o dito “governo Temer” parece estar no fim melancólico de um longo mandato – acontece com os golpistas o que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso em 2002.
Não existe a fúria “santa” que havia no fim do governo Dilma, mas uma condescendência compulsória contrabalançando a impossibilidade de esconder o festival de roubalheiras e a enxurrada de tropeços administrativos, que era o que acontecia quando FHC estava terminando seu segundo mandato.
Michel Temer e Marcelo Calero concederam entrevistas ao Fantástico no último domingo. Presidente e ex-ministro da Cultura, porém, mostraram-se com ânimos muito diferentes.
A expressão facial de Temer mostrou um presidente inseguro, abatido e assustado. Para responder à Globo, Temer se fez cercar dos presidentes do Legislativo, Renan Calheiros e Rodrigo Maia, na tentativa óbvia de dizer ao Judiciário e aos órgãos de controle (Polícia Federal, Ministério Público…) que dois dos Três Poderes estavam unidos.
Temer estava inseguro, temendo o que Calero poderia ter gravado de si. Não acreditou quando o ex-auxiliar disse que só gravou uma conversa protocolar entre ambos. Se conduziu uma conversa anódina, por que a gravou?
Quando deu a entrevista, Temer achou que tinha sido gravado na conversa presencial que teve com seu ex-auxiliar. E com certeza o desmentido de Calero de que tenha gravado o presidente nessa oportunidade não diminuiu o medo do chefe do Executivo de ter sido gravado não só pelo telefone, como diz seu ex-ministro, mas em outras oportunidades.
Talvez, várias…
Abaixo, a entrevista de Temer. Retomo em seguida.


Aos 4 minutos e 11 segundos do vídeo acima, Temer diz que teria sido melhor se Geddel tivesse saído antes e termina a frase de forma risível dizendo que Geddel acabou pedindo demissão devido a “diálogos” que teria tido com ele:
— E eu sei como conduzir esses diálogos de molde, muitas vezes, a gerar pedido de demissão
Captou, leitor? Temer tenta vender que Geddel não pediu demissão após seu chefe ter sido envolvido por Calero, que acusou o presidente da República de também ter pressionado o ministro da Cultura a atender o pleito ilegítimo de seu ex-secretário de Governo, mas, sim, porque o presidente teria habilidade para fazer com que seus auxiliares se demitam.
Temer tenta, nesse ponto da entrevista (4m11s), faturar em cima do crime de responsabilidade que parece ter cometido, tenta lucrar com o que fez de errado.
A vontade de inverter a situação foi tanta que Temer criou uma aberração institucional, a iniciativa ridícula de pedir ao Gabinete de Segurança Institucional que passe a gravar todas as reuniões públicas do presidente da República, como se conversas impróprias não pudessem ser feitas sem gravação nenhuma e fora da agenda oficial.
Foi uma bofetada no rosto dos brasileiros, pra falar a verdade.
Temer o esbofetearia mais uma vez, caro leitor, ao dizer que agora vai nomear um novo secretário de governo honesto, sob critérios honestos, mas sem explicar por que, antes, nomeou um conhecido corrupto para o cargo.
Marcelo Calero, porém, atuou com desenvoltura bem maior. Ao longo de sua entrevista demonstrou muita segurança e muita tranquilidade. No entanto, a tranquilidade exibida pode denotar mais do que parece.
Em primeiro lugar, Calero nega que tenha gravado Temer presencialmente. Ele admitiu, no entanto, ter registrado outra conversa entre os dois, por telefone, mas alega que se tratou de um diálogo “burocrático” e “protocolar”, sobre seu pedido de demissão.
Calero acrescentou que, além de Temer, gravou outros ministros por “orientação de amigos da Polícia Federal” com objetivo de se “proteger e dar o mínimo de lastro probatório” ao próprio depoimento.
“Tive a preocupação inclusive de não induzir o presidente a entrar em qualquer tema para não criar prova contra si”, afirmou, em alusão a seu desligamento da pasta.
Calero contou que em um primeiro contato com Temer, após um jantar dia 11, o presidente teria apoiado sua decisão de não interferir na questão. No entanto, no dia seguinte, Temer o teria convocado com urgência ao Planalto e indicado que ele remetesse o caso para a Advocacia Geral da União, que resolveria a questão.
“Em menos de 24 horas todo aquele respaldo que me havia garantido ele me retira e me determina que eu criasse uma manobra, um artifício, uma chicana como se diz no mundo jurídico, para que o caso fosse levado à AGU”, acusou Calero.
Ao “Fantástico”, Calero disse também que gravou outras autoridades, mas não revelou quais. Outro ministro que se envolveu na questão foi Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil.
Assista a entrevista
Ao fim da entrevista, aos 8 minutos e 20 segundos, a entrevistadora, Renata Lo Prete, trava um diálogo altamente elucidativo com Calero. Confira:
Renata Lo Prete – O senhor gravou alguma conversa sua com o então ministro Geddel?
Marcelo Calero – Não posso responder essa pergunta.
Lo Prete – O senhor gravou alguma conversa sua com o ministro Padilha?
Calero – Não posso responder essa pergunta.
Lo Prete – Por que o senhor não pode responder?
Calero – Há um entendimento de que isso poderia atrapalhar as investigações. Eu posso falar que houve as gravações, mas não posso falar os interlocutores [sic].
É óbvio que Calero está sendo orientado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público ou por ambos. Demonstrou saber detalhes das investigações e da gravidade do que disseram os que foram gravados.
Porém, o tom de Calero está alimentando especulações de que não será usada gravação presencial ou telefônica que ele fez de Temer, mas gravações que fez e não quer confirmar que fez e podem ter sido feitas pela Polícia Federal, com ordem judicial. Eis a razão para Temer estar tão nervoso e inseguro. O golpista-mor já pode estar sendo investigado por crimes comum e de responsabilidade.
*
PS: na entrevista ao Fantástico, Temer disse que teria sido melhor se Geddel tivesse se demitido. Ora, se o presidente acha que era melhor não ter o ex-anão do orçamento no governo, seu dever era demiti-lo… Temer confessou que agiu contra o interesse público em prol de suas relações pessoais.

Golpe está derretendo antes do que se pensava

geddel

Vai se cumprindo a previsão de que bastaria deixar a direita governar para ela se enterrar sozinha. Não poderia dar em outra coisa. O governo tucano-peemedebista fará pelo PT e pela esquerda em geral o que nenhum marqueteiro faria. Só o que está surpreendendo é a velocidade da deterioração do “governo” golpista.
Senão, vejamos o contexto em que tudo isso está sucedendo.
Enquanto a direita militante se masturba com a fictícia imagem mental de Lula preso, ele vai sendo absolvido por sucessivos delatores que não conseguiram oferecer nada mais do que a acusação sem provas que propiciou aos golpistas algumas manchetes espalhafatosas.
Moro, Dallagnol, Globo e cia. acusarem Lula é fácil, provar acusações falsas é que são elas. Moro pode não conseguir nem condenar o ex-presidente em primeira instância, apesar de que falta de provas nunca o impediu de condenar ninguém.
Mas não é (só) no fracasso anunciado em destruir Lula que reside o motivo não para comemoração – pois, fracassando ou não, o golpe terá causado prejuízos ao país que vão levar décadas para ser reparados –, mas para alento.
Este Blog quer reiterar, pela enésima vez, que, assim como o golpe era previsível com base em simples lógica, seu fracasso é igualmente previsível com base na mesma lógica.
Em primeiro lugar, a “inteligência” que justificou o golpe contra Dilma Rousseff vendeu a uma maioria de incautos a ideia estapafúrdia de que um grupo político que durante onze anos fez o desemprego cair, o salário aumentar, a economia crescer e a vida dos mais pobres melhorar de forma inédita, de repente, em um ano e pouco, do nada desaprendeu a governar.
Ora, o povo ficar em maioria ao lado dos golpistas foi uma atitude flagrantemente insensata. Esqueceu que votou no PT por QUATRO eleições presidenciais seguidas e, mais do que isso, esqueceu POR QUE votou repetidamente no candidato a presidente desse partido.
Ou alguém acredita que as dezenas de milhões de pessoas que deram quatro mandatos de presidente ao PT fizeram isso pelos belos olhos de Lula ou Dilma?
Ah, foram enganadas, é? Quer dizer que o primeiro mandato de Lula foi ruim e as pessoas quiseram votar nele pela segunda vez por isso?
Lula deixou o poder em 2010 com 80% de aprovação porque ninguém viu as atrocidades que ele cometeu entre aquele ano e 2002 ou porque os brasileiros julgaram que durante oito anos ele governou bem?
Lula elegeu Dilma em 2010 e ela se reelegeu em 2014 porque os períodos anteriores à eleição de dois anos atrás foram um desastre? Quer dizer que o povo votou pela quarta vez seguida no PT mesmo com seus três governos anteriores tendo sido uma droga?
Como se vê, não há lógica na premissa golpista. Assim como não houve lógica em a maioria da população apoiar a destituição de Dilma, conferindo-lhe, do nada, cerca de 10% de aprovação.
Faltou reflexão a este povo. Faltou tentar entender por que um partido que foi bom no poder durante 11 anos, de repente parou de funcionar. Se a maioria que abandonou Dilma, Lula e o PT tivesse pensado um pouco, veria que havia alguma coisa além das aparências.
Havia, como se sabe, sabotagem – o Congresso parou de votar qualquer matéria do interesse de Dilma, impedindo-a de governar, e a Lava Jato paralisou o setor mais dinâmico e que mais dinheiro movimenta na economia, o da construção pesada, gerando forte recessão, sem falar na crise de confiança dos investidores, que se recolheram vendo incerteza sobre quem iria governar o país.
Porém, como se dizia aqui nesta página antes do golpe, era bobagem pensar que a crise política pararia depois do golpe.
Primeiro erro dos golpistas foi achar que a sociedade aceitaria perder direitos e piorar de vida em troca da satisfação da sanha antipetista de uma sua parcela conjunturalmente majoritária. A vida das pessoas começou a piorar em ritmo acelerado.
Nenhum dos problemas na economia que predispuseram grande parcela da população contra Dilma, Lula e PT refluíu. Muito pelo contrário, a economia vem piorando.
Ao lado da piora da economia, os golpistas, acreditando que a maioria esmagadora do povo se convertera em gado e poderia ser “tocada” para qualquer lado pelo berrante midiático, começaram a propor extinção de direitos trabalhistas, precarização do trabalho formal, redução drástica de programas sociais…
Mas não é só isso. A ousadia golpista foi aos píncaros da desfaçatez. Acreditando que bastava tirar o PT do poder para obter salvo-conduto contra a lei e para roubar à vontade, Temer e cia. caíram na esbórnia.
Michê Temer nomeou um ministério composto em maioria por acusados de corrupção e investigados na Lava Jato. Transformou o governo federal em esconderijo para bandidos.
Temer se esqueceu que a maioria esmagadora dos escândalos dos governos petistas foram causados por conta de o PMDB fazer parte da aliança governista. E achou que bastaria trair Dilma e dar o golpe para tudo ser perdoado.
Talvez até fosse assim, mas a ousadia com que Temer e cia. tomaram o poder os fez ir longe demais. Mal Temer e sua quadrilha haviam assumido e o ministro da Saúde já deu a “singela” declaração de que haveria que reduzir o SUS…
Assim, como quem não quer nada.
Veio outro, o ministro da Justiça, e declarou que, derrubado o PT, o presidente da República não poderia mais ficar exposto a procuradores-gerais da República que não fossem aliados, pois esse cargo permite processar o presidente e qualquer outro político com foro privilegiado.
Alexandre de Moraes, para resumir, propôs a enormidade de que a escolha do PGR passasse a desconsiderar a orientação da maioria do Ministério Público do Brasil, o que se constituiu em meia confissão de corrupção.
O nível tosco dos peemedebistas se viu reforçado pelos tucanos. O PSDB mergulhou de cabeça na aventura temerária. Promoveu lambanças nas Relações Exteriores, ameaçando países vizinhos, dando declarações mal-educadas, avessas ao próprio conceito de Diplomacia.
Como se não bastasse, vem à tona que o moralista José Serra, o queridinho da mídia paulista e da esmagadora maioria de militantes de extrema-direita, tem problemas muito mais sérios que a falta de Educação que fez Katia Abreu lhe atirar uma taça de champanhe no rosto.
Os 23 milhões de reais (ou 34 milhões, se atualizados monetariamente) que Serra é acusado de receber de propina deixam a corrupção mineira parecendo uma brisa – não aquela brisa que você está pensando, mas uma brisa mesmo, um vento suave.
Mas a pá de cal no governo Temer é a queda de seu sexto ministro. Mais do que por qualquer outra coisa, porque esse episódio está permitindo provar definitivamente ao país e ao mundo que houve, sim, um golpe no Brasil.
Michel Temer e Geddel Vieira Lima cometeram crime de concussão. De acordo com o Código Penal, concussão é o ato de exigir, para si ou para outrem, dinheiro ou vantagem indevida em razão da função, direta ou indiretamente.
Trocando em miúdos: há provas materiais (gravações) de que Michel Temer e Geddel Vieira Lima, respectivamente presidente da República e (então) ministro da Secretaria de Governo, cometeram concussão ao pedirem ao (então) ministro da Cultura que tomasse medida ilegal para favorecer um deles.
O que faz o PSDB (Aécio Neves)? Critica o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, autor da denúncia, por ter gravado Temer. Aécio agiu como se o conteúdo da gravação não provasse que o presidente da República pediu a um ministro que tomasse uma medida ilegal para beneficiar um amigo e também ministro (Geddel).
Aécio, em suma, propôs, PU-BLI-CA-MEN-TE, que todos ignorassem gravações que podem mostrar Temer cometendo um crime. Por que? Porque, pela lógica tucana, Temer pode ter prova contra si que ela não vale, enquanto que Dilma pôde ser condenada sem uma única prova.
Eis o ponto: a comparação entre a causa da derrubada de Dilma e o crime de que Temer está sendo acusado (com prova gravada) vai mostrar ao mundo e a muito brasileiro ingênuo e de boa fé que acreditou nos golpistas que Dilma não foi derrubada por conta de crime algum, já que Temer tem um crime mais grave e mais provado contra si e o Congresso não se move para derrubá-lo.
O Congresso já estava ficando mal na foto por não ter convocado Geddel. Agora, vai ficar ainda pior por não ter arroubos moralistas diante de um crime tão tosco quanto o do ex-ministro e de Temer.
Temer vinha fazendo um esforço hercúleo para recuperar a imagem internacional do Brasil após o país ter sofrido um golpe parlamentar e jogado 54 milhões de votos no lixo. O esforço, porém, não vinha sendo bem sucedido. Em fóruns internacionais, o presidente golpista vem sendo tratado com frieza por seus homólogos.
Agora ficou pior. Como explicar à comunidade internacional que o Congresso brasileiro cassou uma presidente por medida administrativa que todos os antecessores tomaram e sem crime de responsabilidade e não se propõe a cassar um presidente que cometeu crime comum de corrupção, e com prova material desse crime?
Pois é, não dá pra explicar. Qualquer pessoa minimamente honesta sabe que agora está ficando claro que Dilma foi vítima de um golpe.
Como um governo tão fraco vai ter condições de tomar medidas como eliminar direitos trabalhistas?
Para Temer praticar as tais “medidas amargas” basta ter maioria em um Congresso em que parcela imensa dos integrantes está envolvida e/ou processada por corrupção?
Até quando o povo ingênuo vai ficar comemorando a queda de Dilma enquanto os golpistas e a mídia que o induziram tratam de reverter os benefícios sociais da era petista?
Ah, o povo quer perder direitos, ganhar menos, ter empregos sem garantias? Sério que você acha isso?
Começo a duvidar de que Temer vá levar até o fim projetos de mudança nas leis trabalhistas, previdenciárias e sobre programas sociais que fez tramitar no Congresso. Ele vai acabar vetando o que ele mesmo e seus amiguinhos tucanos propuseram.
Isso se ele não cair antes, é claro. De minha parte, espero que Temer governe até o último dia do mandato que usurpou de Dilma Rousseff. O povo brasileiro tem que arcar com a responsabilidade pela decisão de uma maioria conjuntural de abandonar o governo constitucional do país à própria sorte, nas mãos desses fascistas.
Sim, eu lamento que a permanência de Temer vá causar tantos males ao Brasil. Talvez ele não consiga tirar direitos ou programas sociais, mas irá desidratá-los, relativizá-los, venderá patrimônio público a preço de banana, fará concessões criminosas a grupos econômicos nacionais e estrangeiros…
Porém, se ele for defenestrado (certamente no ano que vem) todos sabemos que virá o pior dos piores. Todos sabemos que esse Congresso de maioria meliante irá colocar Fernando Henrique Cardoso no poder sem ele ter recebido um único voto.
E o que é pior: duvido que, empossado, FHC não faça o que fez em seu segundo governo, quando fez mudar a Constituição para alongar sua permanência no poder. E às custas de compra de votos.
Sim, voltamos ao primeiro mandato de FHC, voltamos a 1997, há quase vinte anos, quando o PSDB e o PMDB comandavam o país com mão de ferro, quando dispunham dos recursos públicos a seu bel-prazer, quando a mídia era só elogios e não existia corrupção no Brasil, segundo a mídia, já que, até então, o STF nunca havia condenado um político à cadeia.
Porém, a grande diferença é que hoje não dá mais para calar ninguém. Hoje qualquer garoto de oito anos pode colocar alguma coisa na internet que em questão de horas poderá ser lida por milhões e até bilhões de pessoas.
Se há vinte anos um garotinho gravasse com uma câmera a chegada de extraterrestres, haveria um longo caminho até que essas imagens e essa informação virassem notícias. No século XXI, esse garotinho posta o vídeo no You Tube via conexão 4g do local do pouso alienígena e em meia hora centenas de milhares ou até milhões de pessoas ficarão sabendo.
É por isso que o golpe está derretendo. Agora, é preciso que se cumpra a lei em relação a Michel Temer e Geddel Vieira Lima, entre tantos outros. Porém, não se pode desgostar da ironia poética de que os golpistas mesmos estão tratando de fazer Justiça consigo mesmos ao abusarem tanto da sorte e da patientia mostra.

Golpe está derretendo antes do que se pensava

geddel

Vai se cumprindo a previsão de que bastaria deixar a direita governar para ela se enterrar sozinha. Não poderia dar em outra coisa. O governo tucano-peemedebista fará pelo PT e pela esquerda em geral o que nenhum marqueteiro faria. Só o que está surpreendendo é a velocidade da deterioração do “governo” golpista.
Senão, vejamos o contexto em que tudo isso está sucedendo.
Enquanto a direita militante se masturba com a fictícia imagem mental de Lula preso, ele vai sendo absolvido por sucessivos delatores que não conseguiram oferecer nada mais do que a acusação sem provas que propiciou aos golpistas algumas manchetes espalhafatosas.
Moro, Dallagnol, Globo e cia. acusarem Lula é fácil, provar acusações falsas é que são elas. Moro pode não conseguir nem condenar o ex-presidente em primeira instância, apesar de que falta de provas nunca o impediu de condenar ninguém.
Mas não é (só) no fracasso anunciado em destruir Lula que reside o motivo não para comemoração – pois, fracassando ou não, o golpe terá causado prejuízos ao país que vão levar décadas para ser reparados –, mas para alento.
Este Blog quer reiterar, pela enésima vez, que, assim como o golpe era previsível com base em simples lógica, seu fracasso é igualmente previsível com base na mesma lógica.
Em primeiro lugar, a “inteligência” que justificou o golpe contra Dilma Rousseff vendeu a uma maioria de incautos a ideia estapafúrdia de que um grupo político que durante onze anos fez o desemprego cair, o salário aumentar, a economia crescer e a vida dos mais pobres melhorar de forma inédita, de repente, em um ano e pouco, do nada desaprendeu a governar.
Ora, o povo ficar em maioria ao lado dos golpistas foi uma atitude flagrantemente insensata. Esqueceu que votou no PT por QUATRO eleições presidenciais seguidas e, mais do que isso, esqueceu POR QUE votou repetidamente no candidato a presidente desse partido.
Ou alguém acredita que as dezenas de milhões de pessoas que deram quatro mandatos de presidente ao PT fizeram isso pelos belos olhos de Lula ou Dilma?
Ah, foram enganadas, é? Quer dizer que o primeiro mandato de Lula foi ruim e as pessoas quiseram votar nele pela segunda vez por isso?
Lula deixou o poder em 2010 com 80% de aprovação porque ninguém viu as atrocidades que ele cometeu entre aquele ano e 2002 ou porque os brasileiros julgaram que durante oito anos ele governou bem?
Lula elegeu Dilma em 2010 e ela se reelegeu em 2014 porque os períodos anteriores à eleição de dois anos atrás foram um desastre? Quer dizer que o povo votou pela quarta vez seguida no PT mesmo com seus três governos anteriores tendo sido uma droga?
Como se vê, não há lógica na premissa golpista. Assim como não houve lógica em a maioria da população apoiar a destituição de Dilma, conferindo-lhe, do nada, cerca de 10% de aprovação.
Faltou reflexão a este povo. Faltou tentar entender por que um partido que foi bom no poder durante 11 anos, de repente parou de funcionar. Se a maioria que abandonou Dilma, Lula e o PT tivesse pensado um pouco, veria que havia alguma coisa além das aparências.
Havia, como se sabe, sabotagem – o Congresso parou de votar qualquer matéria do interesse de Dilma, impedindo-a de governar, e a Lava Jato paralisou o setor mais dinâmico e que mais dinheiro movimenta na economia, o da construção pesada, gerando forte recessão, sem falar na crise de confiança dos investidores, que se recolheram vendo incerteza sobre quem iria governar o país.
Porém, como se dizia aqui nesta página antes do golpe, era bobagem pensar que a crise política pararia depois do golpe.
Primeiro erro dos golpistas foi achar que a sociedade aceitaria perder direitos e piorar de vida em troca da satisfação da sanha antipetista de uma sua parcela conjunturalmente majoritária. A vida das pessoas começou a piorar em ritmo acelerado.
Nenhum dos problemas na economia que predispuseram grande parcela da população contra Dilma, Lula e PT refluíu. Muito pelo contrário, a economia vem piorando.
Ao lado da piora da economia, os golpistas, acreditando que a maioria esmagadora do povo se convertera em gado e poderia ser “tocada” para qualquer lado pelo berrante midiático, começaram a propor extinção de direitos trabalhistas, precarização do trabalho formal, redução drástica de programas sociais…
Mas não é só isso. A ousadia golpista foi aos píncaros da desfaçatez. Acreditando que bastava tirar o PT do poder para obter salvo-conduto contra a lei e para roubar à vontade, Temer e cia. caíram na esbórnia.
Michê Temer nomeou um ministério composto em maioria por acusados de corrupção e investigados na Lava Jato. Transformou o governo federal em esconderijo para bandidos.
Temer se esqueceu que a maioria esmagadora dos escândalos dos governos petistas foram causados por conta de o PMDB fazer parte da aliança governista. E achou que bastaria trair Dilma e dar o golpe para tudo ser perdoado.
Talvez até fosse assim, mas a ousadia com que Temer e cia. tomaram o poder os fez ir longe demais. Mal Temer e sua quadrilha haviam assumido e o ministro da Saúde já deu a “singela” declaração de que haveria que reduzir o SUS…
Assim, como quem não quer nada.
Veio outro, o ministro da Justiça, e declarou que, derrubado o PT, o presidente da República não poderia mais ficar exposto a procuradores-gerais da República que não fossem aliados, pois esse cargo permite processar o presidente e qualquer outro político com foro privilegiado.
Alexandre de Moraes, para resumir, propôs a enormidade de que a escolha do PGR passasse a desconsiderar a orientação da maioria do Ministério Público do Brasil, o que se constituiu em meia confissão de corrupção.
O nível tosco dos peemedebistas se viu reforçado pelos tucanos. O PSDB mergulhou de cabeça na aventura temerária. Promoveu lambanças nas Relações Exteriores, ameaçando países vizinhos, dando declarações mal-educadas, avessas ao próprio conceito de Diplomacia.
Como se não bastasse, vem à tona que o moralista José Serra, o queridinho da mídia paulista e da esmagadora maioria de militantes de extrema-direita, tem problemas muito mais sérios que a falta de Educação que fez Katia Abreu lhe atirar uma taça de champanhe no rosto.
Os 23 milhões de reais (ou 34 milhões, se atualizados monetariamente) que Serra é acusado de receber de propina deixam a corrupção mineira parecendo uma brisa – não aquela brisa que você está pensando, mas uma brisa mesmo, um vento suave.
Mas a pá de cal no governo Temer é a queda de seu sexto ministro. Mais do que por qualquer outra coisa, porque esse episódio está permitindo provar definitivamente ao país e ao mundo que houve, sim, um golpe no Brasil.
Michel Temer e Geddel Vieira Lima cometeram crime de concussão. De acordo com o Código Penal, concussão é o ato de exigir, para si ou para outrem, dinheiro ou vantagem indevida em razão da função, direta ou indiretamente.
Trocando em miúdos: há provas materiais (gravações) de que Michel Temer e Geddel Vieira Lima, respectivamente presidente da República e (então) ministro da Secretaria de Governo, cometeram concussão ao pedirem ao (então) ministro da Cultura que tomasse medida ilegal para favorecer um deles.
O que faz o PSDB (Aécio Neves)? Critica o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, autor da denúncia, por ter gravado Temer. Aécio agiu como se o conteúdo da gravação não provasse que o presidente da República pediu a um ministro que tomasse uma medida ilegal para beneficiar um amigo e também ministro (Geddel).
Aécio, em suma, propôs, PU-BLI-CA-MEN-TE, que todos ignorassem gravações que podem mostrar Temer cometendo um crime. Por que? Porque, pela lógica tucana, Temer pode ter prova contra si que ela não vale, enquanto que Dilma pôde ser condenada sem uma única prova.
Eis o ponto: a comparação entre a causa da derrubada de Dilma e o crime de que Temer está sendo acusado (com prova gravada) vai mostrar ao mundo e a muito brasileiro ingênuo e de boa fé que acreditou nos golpistas que Dilma não foi derrubada por conta de crime algum, já que Temer tem um crime mais grave e mais provado contra si e o Congresso não se move para derrubá-lo.
O Congresso já estava ficando mal na foto por não ter convocado Geddel. Agora, vai ficar ainda pior por não ter arroubos moralistas diante de um crime tão tosco quanto o do ex-ministro e de Temer.
Temer vinha fazendo um esforço hercúleo para recuperar a imagem internacional do Brasil após o país ter sofrido um golpe parlamentar e jogado 54 milhões de votos no lixo. O esforço, porém, não vinha sendo bem sucedido. Em fóruns internacionais, o presidente golpista vem sendo tratado com frieza por seus homólogos.
Agora ficou pior. Como explicar à comunidade internacional que o Congresso brasileiro cassou uma presidente por medida administrativa que todos os antecessores tomaram e sem crime de responsabilidade e não se propõe a cassar um presidente que cometeu crime comum de corrupção, e com prova material desse crime?
Pois é, não dá pra explicar. Qualquer pessoa minimamente honesta sabe que agora está ficando claro que Dilma foi vítima de um golpe.
Como um governo tão fraco vai ter condições de tomar medidas como eliminar direitos trabalhistas?
Para Temer praticar as tais “medidas amargas” basta ter maioria em um Congresso em que parcela imensa dos integrantes está envolvida e/ou processada por corrupção?
Até quando o povo ingênuo vai ficar comemorando a queda de Dilma enquanto os golpistas e a mídia que o induziram tratam de reverter os benefícios sociais da era petista?
Ah, o povo quer perder direitos, ganhar menos, ter empregos sem garantias? Sério que você acha isso?
Começo a duvidar de que Temer vá levar até o fim projetos de mudança nas leis trabalhistas, previdenciárias e sobre programas sociais que fez tramitar no Congresso. Ele vai acabar vetando o que ele mesmo e seus amiguinhos tucanos propuseram.
Isso se ele não cair antes, é claro. De minha parte, espero que Temer governe até o último dia do mandato que usurpou de Dilma Rousseff. O povo brasileiro tem que arcar com a responsabilidade pela decisão de uma maioria conjuntural de abandonar o governo constitucional do país à própria sorte, nas mãos desses fascistas.
Sim, eu lamento que a permanência de Temer vá causar tantos males ao Brasil. Talvez ele não consiga tirar direitos ou programas sociais, mas irá desidratá-los, relativizá-los, venderá patrimônio público a preço de banana, fará concessões criminosas a grupos econômicos nacionais e estrangeiros…
Porém, se ele for defenestrado (certamente no ano que vem) todos sabemos que virá o pior dos piores. Todos sabemos que esse Congresso de maioria meliante irá colocar Fernando Henrique Cardoso no poder sem ele ter recebido um único voto.
E o que é pior: duvido que, empossado, FHC não faça o que fez em seu segundo governo, quando fez mudar a Constituição para alongar sua permanência no poder. E às custas de compra de votos.
Sim, voltamos ao primeiro mandato de FHC, voltamos a 1997, há quase vinte anos, quando o PSDB e o PMDB comandavam o país com mão de ferro, quando dispunham dos recursos públicos a seu bel-prazer, quando a mídia era só elogios e não existia corrupção no Brasil, segundo a mídia, já que, até então, o STF nunca havia condenado um político à cadeia.
Porém, a grande diferença é que hoje não dá mais para calar ninguém. Hoje qualquer garoto de oito anos pode colocar alguma coisa na internet que em questão de horas poderá ser lida por milhões e até bilhões de pessoas.
Se há vinte anos um garotinho gravasse com uma câmera a chegada de extraterrestres, haveria um longo caminho até que essas imagens e essa informação virassem notícias. No século XXI, esse garotinho posta o vídeo no You Tube via conexão 4g do local do pouso alienígena e em meia hora centenas de milhares ou até milhões de pessoas ficarão sabendo.
É por isso que o golpe está derretendo. Agora, é preciso que se cumpra a lei em relação a Michel Temer e Geddel Vieira Lima, entre tantos outros. Porém, não se pode desgostar da ironia poética de que os golpistas mesmos estão tratando de fazer Justiça consigo mesmos ao abusarem tanto da sorte e da patientia mostra.