Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Daslu, Danuza e Dá o fora!

Haddad lança plano de resgate dos viciados em crack que inclui moradia, emprego e saúde

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De 2014 a 2017, Brasil investirá R$ 458 bi em petróleo e gás; BNDES estima que a fatia do setor no investimento total do país crescerá de 10% para 14%


Os filhos do porteiro da Danuza resolveram ir ao shopping center. E a justiça de SP autorizou guardas a dizer-lhes: Dá o fora!.

por: Saul Leblon 
Arquivo


















O Brasil tem cerca de 500 shoppings centers.

O conjunto fatura R$ 184 bi por ano, ocupa mais de 11 milhões de m2 - uns 2. 200 campos de futebol; emprega  870 mil pessoas.

Em 40 anos, desde 1996 quando surgiu o primeiro  até 2006, foram erguidos 350 shoppings no país; de lá para cá a expansão foi geométrica e ininterrupta. Nos últimos sete anos surgiram mais 120.

Outros 30 estão previstos para inauguração em 2014.

O país inteiro – capitais e interior — foi tricotado por esses centros de compra e lazer que tem a cara e a permeabilidade  da estrutura social erguida pelo capitalismo por essas bandas.

A rede de shoppings foi planejada para nuclear um público alvo da ordem de 40 milhões de pessoas.

O Brasil tem mais de 190 milhões de habitantes: 150 milhões estão fora.

Uma parcela dos excluídos agora quer entrar.

O rolezinho é uma evidencia da pressão exercida na parede do dique.

Quem quer entrar entende (com ou sem razão) que o Brasil limpo, organizado, atraente, refrigerado, seguro, iluminado, rico, antenado, onde faísca la dernier cru  do consumo e, vá lá, bonito, para os padrões dominantes,   está lá dentro.

Não nas ruas desoladoras e escaldantes  das periferias conflagradas onde vive a maioria dos integrantes do rolê.

Pode-se – deve-se - discordar da matriz de valores que atribui a um bunker do consumo o padrão de sociedade desejável para viver e se divertir.

Mas há razões para isso.

Um dado sugestivo: até o ano passado, apenas 13,5% dos municípios brasileiros dispunham  de uma secretaria voltada exclusivamente para a cultura.

Tê-la não é garantia de grande coisa.

Mas a escala da ausência emite um sinal  da atenção  dispensada a uma  área  que fala diretamente à juventude --e poderia oferecer-lhe um ponto de fuga  à pulsão consumista, diuturnamente martelada  ao seu redor.

Esforços  de investimento público tem sido feitos nessa direção.

O número de cidades com bibliotecas, por exemplo, saltou para 98% em 2012, praticamente  universalizando esse equipamento, restrito a 70% delas  até 1999.

Mas uma biblioteca convencional, de mobiliário imaginável e acervo presumível, em qualidade e quantidade, será um espaço suficiente para satisfazer as expectativas de desfrute, encontro e lazer de quem adere a um  rolezinho?

Em 2007, o governo criou um  Programa para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (Procult).

Através do BNDES já financiou a construção ou a reforma de 259 salas de cinema.

Mas a maioria dos cinemas do país fugiu igualmente para o interior dos shoppings por conta da insegurança que também despovoou  praças e jardins, capturados pelo consórcio drogas  & desmazelo.

Apenas 10% dos municípios brasileiros dispõem de cinemas atualmente.

Pesquisa desta semana do Ibope informa que as  ‘classes’ C e D bateram recorde de horas diante da televisão em 2013: média de seis horas e 40 minutos. Por dia.

E convenhamos,  não dá para imaginar que todo mundo vá se reunir numa lan house, presente, aí sim, em 82% da malha urbana e, de fato, encontrável em qualquer bairro ou favela  por mais pobre que seja.

O espaço virtual tem limites.

O rolezinho  se vale da capilaridade digital para convocar os encontros , mas representa ele mesmo (felizmente) a insuficiência da realidade virtual na vida humana.

A dupla insuficiência – material e virtual - misturada a uma revolta difusa, temperada de hormônios e apimentada com o deboche e  o anseio por identidade olha em volta e enxerga o quê?

Enxerga aquilo que distraidamente ou de forma deliberada foi sendo construído nas entranhas da velha malha urbana, e para cujo declínio  contribuiu  ao inocular  a decadência no pequeno comércio, a escuridão no jardim, a solidão no centro velho e o sucateamento do (parco)  equipamento  público.

O shopping  center, a nova cidade brasileira.

Prefiguração  do sonho neoliberal, ela materializa  um ordenamento coletivo onde tudo é privado (leia o blog do Emir, nesta pág).

Por definição, a cidade  da mercadoria  é o jazigo da cidadania.

Não só.

O anestesiante paradigma de  ‘eficiência’ do shopping engorda o descompromisso com que  a elite consumidora  encara  seus deveres  em relação ao espaço coletivo ao seu redor.

Por que, enfim,  pagar mais pelo IPTU se já tenho o que quero e o que a cidade numa terá no shopping  –ainda que esse adicional corresponda, por dia, a uma fração do preço de um cafezinho do Starbucks no Iguatemi?

O rolezinho  sacode o pilar dessa ordem excludente deixando aflorar um conflito que há muito incomoda o conforto  das elites.

Quem não se lembra do ‘transtorno’ que a vizinha favela Funchal causava ao Vaticano dos shoppings centers no Brasil, a famosa Daslu – 20 mil m2 de pura  ostentação, gastos médios de U$ 15 mil/mês por cliente e uma sonegação de imposto de estupendo R$ 1 bilhão?

Ou do desabafo da socialite Danuza Leão, na Folha, em dezembro de 2012?

Inconsolável  com o Brasil do PT, a então colunista lamentava como ficou difícil “ser especial” nesses tempos em que “todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais” -- musicais na Broadway, por exemplo, que graça tem se  “por R$50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir”.

Os filhos do porteiro da  Danuza resolveram agora  ir ao shopping.

E a justiça de SP autorizou  seis deles a dizer-lhes: ‘Dá o fora!’.

Esse é o capítulo da novela brasileira nos dias que correm.

As raízes desse enredo de  paralelas que agora se cruzam em conflito aberto na porta de santuários do consumo  remetem à mutação inconclusa verificada no país desde 2003.

Qual seja, a pobreza caiu pela metade; o mercado de trabalho atingiu as franjas do pleno emprego;  o salário mínimo ganhou quase 60% de poder de compra, acima da inflação.

A desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se moveram.

Privilégios  obcecados em preservar  um ordenamento  social patológico defendem como virtude macroeconômica  restituir as fronteiras do conflito original aos marcos do cordão sanitário instituído nos anos 90.

O superávit fiscal ‘robusto’ para assegurar o ganho dos rentistas é um desses marcos.

Outro: o salto adicional nas taxas de juros, até encostar a faca recessiva na garganta da massa ignara.

A crispação em torno dos rolezinhos  mostra o quanto será difícil devolver a pasta de dente ao tubo da história.

Nesse empurra-empurra, subjacente à disputa presidencial de outubro,  há nuances que dizem respeito  diretamente à esquerda.

O  ‘rolezinho’  denuncia  uma dimensão da luta política rebaixada nos últimos anos na conta da ilusão economicista de que o holerite e o crescimento resolviam o resto.

São imprescindíveis, diga-se.

Mas o discernimento histórico que requer a longa  construção de uma sociedade justa e virtuosa nunca será um dote intrínseco  à conquista do legítimo direito de viajar de avião, ou  comprar bens duráveis a crédito, nem tampouco uma qualidade imanente a  governantes eleitos pelos pobres.

Erguer essas linhas de passagem é tarefa das organizações progressistas que se propõem a mudar as formas de viver e de produzir em sociedade.

É delas a obrigação de associar à luta econômica sua contrapartida de ideias emancipadoras que ampliem o horizonte subjetivo para além do consumismo individualista.

Do contrário, o futuro ficará emparedado entre o horizonte do rolezinho e o interdito do dinheiro graúdo.

No limite, ambos poderão se unir em torno de um tênis Nike, contra uma repactuação mais arrojada do desenvolvimento  que implique  outra modulação do consumo.  

O mais difícil na luta pelo desenvolvimento é produzir valores, dizia o saudoso Celso Furtado, em palavras  de atualidade inexcedível.

Não apenas esse, mas  sobretudo esse passo  a esquerda deve ao Brasil.

E não parece recomendável adiá-lo mais uma vez  ‘para depois da próxima eleição’.

RESPOSTA DO STF



 CONFIRMA



 MORDOMIAS DE



 BARBOSA




Que venha a luta de classes

Comecei a ler sobre política aos 14 anos. Era 1973. Minha família assinava o Estadão. Via sempre o avô, a avó e a mãe devorarem aquelas folhas brancas com letras negras e me perguntava o que continham aqueles textos enormes para lhes prender tanto a atenção. Sobretudo o primeiro caderno. Um dia, então, aventurei-me em um tipo de leitura que nunca mais abandonaria.
A primeira vez que vi a expressão “luta de classes” foi no jornal supracitado. Por terem se passado cerca de quarenta anos, desde então, não posso precisar se foi num artigo, num editorial, numa reportagem ou numa carta de leitor. Contudo, fora usada no contexto de ser indesejável – os “comunistas” eram acusados de promover conflitos entre pobres e ricos.
Parece que foi ontem…
Ao longo da vida, luta de classes sempre me foi apresentada pela imprensa e por certos grupos políticos como sendo tragédia para uma nação, ao passo que os socialistas científicos diziam o contrário.
Demorou até que aceitasse que a melhora das condições de vida dos trabalhadores só se daria através da luta de classes, pois não conseguia dissociá-la da luta armada, que repudiava. Sempre me inclinara mais pelas ideias burguesas dos socialistas utópicos, de que a transformação social aconteceria de forma pacífica.
Por conta desse pensamento, durante a ditadura me mantive distante da política. Contudo, por sempre ter me informado – mesmo quando garotas e festas eram mais importantes –, sempre soube que a forma como o país era governado estava errada. Até porque, minha família, influenciada pelo Estadão, ao longo daqueles anos tenebrosos foi mudando paulatinamente de opinião sobre o regime que um dia apoiara, assim como o jornal.
Todo esse preâmbulo foi necessário para chegar ao ponto central deste texto: a tão temida luta de classes, se um dia ajudou a aprofundar a ditadura militar, hoje pode ser travada sem luta armada, pela via da luta política desencadeada de baixo para cima, como começamos a ver ocorrer.
A revolução proletária, aliás, vai se mostrando uma questão de tempo, neste país – ainda que torça para que transcorra de forma política, sem violência, mas sabendo que ocorrerá de uma forma ou de outra.
De dezembro último para cá, inclusive, surgiram sinais de que um choque de classes está cada vez mais próximo. E o que é mais: só não aconteceu antes por conta da forte inclusão social da era Lula-Dilma. Nesse aspecto, a elite deveria ovacionar os dois presidentes trabalhistas que, com seus programas sociais, conseguiram retardar a fervura do caldeirão social.
E quando cito “sinais de um choque de classes” iminente, refiro-me ao movimento social absolutamente desorganizado e despido de ideologias conhecido como “rolezinho”.
Os milhares de adolescentes que têm ido a templos do consumismo das classes média e alta, aos ditos “shoppings”, são a expressão mais evidente do inconformismo com a desigualdade que cresce por parte de suas vítimas, desse sentimento que vai surgindo entre essas camadas sociais ora inspiradas pelos ventos da liberdade política e ideológica que mais de duas décadas de democracia fizeram soprar.
A reação da sociedade aos abusos das forças de repressão do Estado, que hoje já não encontram espaço para a impunidade total de outrora devido ao fenômeno da democratização da comunicação social gerado pela internet, será inevitável e benéfico conquanto a democracia se mantenha preservada.
A menos que alguém acredite em outro golpe para calar de novo o grito de inconformismo que a pobreza mantém preso na garganta há tanto tempo.
Nesse contexto, surge um dado positivo. Por mais que repudiemos o status quo, não se pode negar que a grande imprensa teve um papel fundamental na denunciação dos abusos contra os meninos e meninas dos “rolezinhos”. E não só da polícia militar, mas da Justiça, que deu uma permissão bizarra para que shoppings pudessem triar quem neles ingressava com base na cor da pele, no modo de se vestir e em outros fatores subjetivos que denotassem pobreza.
A imprensa, portanto, não deixou de ser conservadora, mas vai se vendo obrigada pela comunicação abundante e incontrolável a não se deixar ficar a reboque dos fatos.
Mais de duas décadas de democracia e o advento da internet terminaram por gerar o ambiente ideal para que, cada vez mais, as legiões de vítimas da desigualdade à brasileira possam denunciar seus algozes. E os “rolezinhos” são expressão desse fenômeno.
Claro que não poderia deixar de eclodir aqui e ali, entre advogados e juristas, entre jornalistas e tantos outros expoentes da elite branca de ascendência indo-europeia o discurso absurdo sobre o caráter “privado” que teriam os shoppings, um discurso em defesa de um direito constitucionalmente inexistente de comerciantes selecionarem clientes que possam ou não ingressar nesses locais de frequentação pública.
Estão enganados. O comércio aberto ao público funciona sob a condição de estar aberto ao público, ou seja, a todos, sem discriminação de classe social, etnia, religião, orientação sexual, política e ideológica.
Aliás, discriminar no comércio varejista é crime.
O “rolezinho”, pois, é um direito contanto que não enverede pela violência ou pela criminalidade. E impedir alguém de frequentar algum lugar sob a premissa de que sua aparência denota que poderá cometer vandalismo, roubos ou qualquer outro tipo de crime é fascismo em estado puro.
Esse movimento de imberbes, portanto, na visão deste que escreve é absolutamente legítimo. Fatos e investigações revelaram-me que não guarda relação com os protestos violentos e políticos que eclodiram pelo país a partir de junho do ano passado e que agora pretendem sabotar a Copa do Mundo.
Trata-se de um movimento espontâneo e que poderá cumprir a função cívica de expor a desigualdade hipócrita que vitima o Brasil – e, assim, a função de provocar mudanças.
Os “rolezinhos”, pois, não têm parentesco com as tais “jornadas de junho”, mas com a primeira ocupação de um shopping na história recentíssima.  Em 2000, um grupo de sem-teto ocupou um desses templos de consumo e, ao fazê-lo, fincou as raízes de um processo que precisa ocorrer no Brasil, o de esfregar a desigualdade insustentável na cara da elite que dela se beneficia.
Antes de chegar à conclusão do texto, portanto, se ainda não assistiu vale muito a pena assistir ao documentário Hiato, abaixo reproduzido. Ele revela a gênese dos “rolezinhos”. O texto prossegue em seguida.




O que assistiu acima, leitor, foi o embrião dos “rolezinhos” que ora eclodem por São Paulo e que tendem a se espraiar pelo país, caso a sociedade saiba reagir à repressão.
A “luta de classes” por essa via – e por outras análogas a ela que venham a surgir –, portanto, não só precisa prosseguir como tem que ser intensificada. Sem violência, mas com firmeza. Há que mostrar a realidade a essa elite delirante que acredita que pode confinar uma maioria tão avassaladora nos guetos que para ela engendrou.
Os milhares que ocuparam e ocuparão shoppings e outros refúgios da elite poderão fazê-la entender que caso não aceite distribuição de renda por bem poderá ter que aceitar por mal. E não por conta de algum movimento politicamente organizado, mas pela paciência que se esvai nas massas, que, desprezando os intermediários e qualquer organização, instintivamente está a exigir igualdade.