Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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quinta-feira, 7 de abril de 2016

Golpe perdeu força, mas pode reagir; é hora de mobilização

greenwald
 Eduguim
Uma das consultorias mais ouvidas e celebradas por analistas de banco e gestoras de investimentos, a Eurasia Group, rebaixou sua previsão de impeachment de Dilma Rousseff. De acordo com relatório divulgado na terça (5), a consultoria internacional estima que se o impeachment fosse votado hoje pela Câmara dos deputados, seria barrado.
A informação foi divulgada por Christopher Garman, diretor da consultoria internacional de risco político Eurasia. Para Garman, faltam entre 20 e 40 votos para os adversários da presidente Dilma aprovar o processo de impeachment na Câmara.
No relatório, a consultoria afirma que, nos últimos dias, o impeachment perdeu força e ganhou espaço a ideia de haver novas eleições — a Rede, de Marina Silva, e periódicos como a Folha de S.Paulo e a Economist passaram a defender abertamente essa opção.
Outra razão para a menor probabilidade de impeachment, segundo a Eurasia, é que a saída do PMDB do governo motivou a negociação desse governo com partidos que podem ajudar Dilma a ter votos suficientes para evitar seu afastamento.
O nível de abstenção será equivalente ao número de parlamentares que o governo conseguir convencer. Abstenção equivale ao voto favorável. Mais importante que acompanhar os indecisos é acompanhar o número de votos que o movimento pró-impeachment tem convicção que terá. Hoje está de 20 a 40 votos aquém do necessário”, explica Garman.
Para o diretor da Eurasia, porém, novos desdobramentos da Lava Jato e protestos nas ruas definirão o desfecho do pedido de impeachment de Dilma.
Ambos podem impactar a expectativa de que o governo pode sobreviver. O cerne do impeachment se resume a isso. Se existir expectativa de que mais cedo ou mais tarde o governo vai cair, as promessas de novos cargos valem muito menos, porque o benefício de se associar ao governo cai”, explica Garman.
Dessa forma, o lado que conseguir fazer sobressair sua tese – de que o governo será interrompido ou não – tende a ganhar mais votos. A articulação política, tal como no mercado, tem trabalhado em cima de expectativas.
Uma importante arma da ala governista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pode ter seu poder de convencimento reforçado caso tome posse na Casa Civil antes da votação em plenário. “A conversa de bastidor que se fala na imprensa é de que o governo seria feito pelo ex-presidente Lula, com uma repactuação, o que daria condições de sobrevida do governo”, afirma o diretor da Eurasia.
Feitos os cálculos, o que se deve ter em mente é que em menos de uma semana poder-se-á definir a continuidade do governo Dilma Rousseff.
A mobilização à esquerda foi muito forte nos últimos dias. O impeachment começou a semana com mais chances do que na semana anterior devido à forte mobilização de intelectuais, advogados, juristas, artistas, movimentos sociais, militância nas redes sociais. Mas, sobretudo, a difusão internacional do que está acontecendo no Brasil concorreu para reduzir as chances do golpe.
Nesse aspecto, na última quarta-feira (6) a Folha de São Paulo publicou uma bomba. O impeachment de Dilma foi duramente criticado pelo celebrado jornalista norte-americano Glenn Greenwald, quem iniciou a divulgação, através do jornal britânico The Guardian, das informações sobre os programas de vigilância global dos Estados Unidos pela NSA, revelados em junho de 2013 através dos documentos fornecidos por Edward Snowden, um ex-administrador de sistemas da CIA que tornou públicos detalhes de programas que constituem o sistema de vigilância global da NSA americana e que está sendo caçado pelo governo norte-americano por isso.
Greenwald, hoje refugiado no Rio de Janeiro, é cofundador do site especializado em reportagens sobre política nacional e externa The Intercept. É vencedor do Prêmio Pulitzer de Jornalismo em 2014 e do Prêmio Esso de 2013. Sua voz tem forte repercussão internacional.
Nesse contexto, trecho inicial de seu artigo na Folha mencionado acima revela como está sendo visto, fora do Brasil – sobretudo nos países desenvolvidos -, o processo que busca tirar Dilma do Poder sem causas justificáveis.
Os três primeiros parágrafos do texto de Greenwald bastam para explicar por que o impeachment perdeu força nos últimos dias.
O fato mais bizarro sobre a crise política no Brasil é também o mais importante: quase todas as figuras políticas de relevância que defendem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff –e aqueles que poderiam assumir o país no caso de um eventual afastamento da mandatária– enfrentam acusações de corrupção bem mais sérias do que as que são dirigidas a ela.
De Michel Temer a Eduardo Cunha, passando pelos tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin, os adversários mais influentes de Dilma estão envolvidos em chocantes escândalos de corrupção que destruiriam a carreira de qualquer um numa democracia minimamente saudável.
Na verdade, a grande ironia desta crise é que enquanto os maiores partidos políticos do país, inclusive o PT, têm envolvimento em casos de corrupção, a presidenta Dilma é um dos poucos atores políticos com argumentos fortes para estar na Presidência da República e que não está diretamente envolvido em casos de enriquecimento pessoal (…)”
A reação progressista ao impeachment que se espalha pelo mundo já preocupa figuras públicas que têm apreço pela própria biografia. Juristas, artistas, intelectuais, movimentos sociais, pensadores de todas as partes não querem se confundir ou ser acusados de leniência com o que parece, cheira e soa como um golpe praticamente desabrido, de tão fácil de diagnosticar.
Porém, o cálculo político imediatista, a ânsia pelo Poder e uma maioria de políticos que não está nem aí para “essa coisa de biografia” ainda são os fatores determinantes do destino do governo Dilma.
Nesse aspecto, só a continuidade inabalável do combate decidido que a esquerda começou a dar ao golpismo da direita político-jurídico-midiática pode manter o golpe onde está, ou seja, barrado. No dia da votação do golpe na Câmara, os fascistas estarão nas ruas para pressionar os deputados. Se a esquerda não se fizer presente, o golpe será consumado.

Por que Gilmar Mendes tem medo do Lula?


:
JEFERSON MIOLA
Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
(originalmente publicado na Carta Maior)

As jogadas do Gilmar Mendes no tabuleiro do golpe são sempre calculadas e orquestradas com os operadores do condomínio jurídico-midiático-policial. Ele é um ator relevante da engrenagem golpista no STF, e não se constrange em decidir com fidelidade doutrinária e ideológica ao PSDB, e não à Constituição. 
Na última jogada, ele atendeu liminar do PSDB-PPS e suspendeu a posse do Lula na Casa Civil. Ao mesmo tempo, remeteu a investigação do ex-presidente para o justiceiro Moro.
Essas decisões foram proferidas no dia 18 de março, uma sexta-feira que antecedeu o recesso do Judiciário brasileiro na Semana Santa – a escolha da data não foi aleatória.
Em seguida, foi desfrutar o bom feriado enquanto o país ardia em chamas – voou a Portugal para evento nos dias 29 a 31 de março do Instituto de Direito Público, do qual é sócio-proprietário. O seminário, concebido para “divulgar” internacionalmente o golpe, teve Aécio Neves, José Serra e o vice-presidente Michel Temer – que participou em vídeo, pois preferiu ficar no Brasil preparando a Convenção do PMDB contra o governo. A FIESP não mandou palestrantes, mas patrocinou o evento que, afinal, foi um fiasco: populares locais chamavam os participantes de golpistas e as autoridades e especialistas portugueses, apenas percebendo a torpeza do evento, cancelaram sua participação.
Com a ausência prolongada do país, e sendo o juiz titular da decisão liminar, Gilmar conseguiu trancar o julgamento do mérito pelo Pleno do STF, que ainda segue pendente – a matéria poderá finalmente ser derrubada no plenário do Supremo na sessão desta quinta-feira, 07 de abril.
A anulação da posse do ex-presidente não tem fundamento jurídico, e Gilmar sabe disso. É ocioso, em se tratando dele, reclamar a flagrante e inconstitucional intromissão do Poder Judiciário no Poder Executivo, que poda o direito elementar da Presidente da República governar e nomear as pessoas que integram seu governo. 
A decisão dele interfere na estabilidade institucional e desequilibra as relações entre os Poderes. Uma decisão que contém claro interesse político-partidário, tomada por quem instrumentaliza o cargo público que ocupa no Judiciário para a luta política. 
A situação é espantosa. O governo está há praticamente um mês sem poder empossar o chefe da Casa Civil, que é um órgão vital. Gilmar fez isso com consciência, para obstruir o funcionamento do governo, para impedir Dilma de governar com a colaboração do Lula.
Gilmar tem medo do Lula, ele sabe que o Lula é a alternativa de saída da crise e a grande esperança do povo brasileiro para reconquistar a trajetória de desenvolvimento com políticas de igualdade e justiça social. Ele conhece a genialidade política e a autoridade moral do Lula, um líder como poucos na história brasileira, portador de inigualável poder de convocação do povo brasileiro para a resistência democrática e para a sustentação da Dilma na travessia de superação da crise.
Gilmar investe no quanto pior, melhor; quer ver o governo paralisado, de mãos atadas enquanto ele ateia fogo no circo. Gilmar usa e abusa de métodos para procrastinar processos no STF de acordo com as conveniências tucanas, como fez trancando por 14 meses a votação da ADIN da OAB sobre a proibição de financiamento empresarial de partidos e políticos, para citar um exemplo. 
Gilmar Mendes e Eduardo Cunha jogam juntos no xadrez do golpe. Enquanto o primeiro usa o STF para retardar ao máximo a entrada do Lula no tabuleiro, o segundo usa a Presidência da Câmara dos Deputados – que espantosamente ainda ocupa porque o STF ainda não julgou seu pedido de afastamento – para alucinar o ritmo do impeachment com Lula impedido de assumir a Casa Civil. 
Gilmar tem medo do Lula. O medo que o Gilmar tem do Lula é o mesmo medo dos golpistas – é o medo de ver Lula ajudando Dilma a dar a volta por cima. O medo do Gilmar é o medo do Temer, Cunha, Aécio, Serra, Alckmin, do FHC; é o mesmo medo da Marina e dos atuais mandantes do PSB que mancham a linda história escrita por João Mangabeira e Miguel Arraes; é o mesmo medo que a Globo, a Veja, a IstoÉ, Folha, Estadão, RBS têm: o medo do retorno do Lula, o medo de  verem escorrer por entre os dedos a melhor possibilidade que já tiveram de desfechar o golpe contra a democracia e a Constituição.

Mossack & Fonseca e os segredos do futebol: Como a Globo pagou os U$ 10 milhões pelos direitos da Libertadores? Por que o Brasil não ajuda o FBI a investigar a CBF?

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Teixeira com Marcelo Campos Pinto (Globo) e J. Hawilla na Argentina; Alexandro Burzaco fazia negócios com eles
por Luiz Carlos Azenha
São peças do quebra-cabeças que vão lentamente se encaixando.
Elas estão quase todas lá, no livro O Lado Sujo do Futebol, finalista do Prêmio Jabuti, que escrevi com Leandro Cipoloni, Tony Chastinet e Amaury Ribeiro Jr.
A parceria entre Ricardo Teixeira e o ex-presidente do Barcelona, Sandro Rossell, em torno da qual se aglutinou um grupo que dava muitas cartas no futebol.
No Brasil, J. Hawilla e Marcelo Campos Pinto — o primeiro sócio da Globo em emissoras no interior de São Paulo e o segundo todo poderoso dos negócios da emissora no esporte.
O castelo de cartas aos poucos desaba, com vazamentos e delações.
Teixeira vive escondido no Brasil. Rossell perdeu o cargo e está sob investigação na Espanha. Campos Pinto deixou a Globo. Hawilla entrega tudo nos Estados Unidos, junto com o ex-presidente da CBF, José Maria Marin.
Na busca e apreensão da sede da Mossack & Fonseca, no Brasil, a localização de três empresas offshore ligadas à herdeira da Globo, Paula Marinho, filha do bilionário João Roberto Marinho: a Vaincre LLC, de Las Vegas, Nevada; a A Plus Holdings, do Panamá, e a Juste International, das ilhas Seychelles.
Elas foram veículo para transferências da emissora?
Nos #panamapapers, a constatação de que a Globo depositava no banco holandês ING, em Amsterdã, os pagamentos pelos direitos da Copa Libertadores que comprava da Torneos & Traffic Sports Marketing BV, uma sociedade entre o argentino Alejandro Burzaco e o brasileiro J. Hawilla. Foram ao menos U$ 10 milhões.
Hawilla, que atuava em Miami, se tornou colaborador da Justiça dos Estados Unidos na investigação do escândalo da FIFA.
Burzaco, preso na Itália e extraditado para os EUA, se declarou inocente diante de um tribunal.
O esquema do qual eles teriam participado foi responsável pelo pagamento de U$ 150 milhões em propinas a cartolas, dizem os investigadores. Os pagamentos, segundo o FBI, teriam partido da Datisa, que reúne a Torneos, a Traffic e uma terceira empresa de marketing, a Full Play.
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Na Holanda, em 2015, o jornalAlgemeen Dagblad foi atrás da parceria entre a Torneos e a Traffic registrada naquele país, a Torneos & Traffic Sports Marketing B V.
Descobriu que era uma empresa de papel baseada num edifício onde ficavam outras empresas internacionais, em Haia. Estava em nome de um laranja, Maarten van Genuchten.
A T&T era controlada por outra empresa, baseada na ilha de Chipre. O capital dela, em 2013, era de 2 milhões de euros.
Os negócios envolvendo direitos de TV do futebol formam um obscuro emaranhado de interesses que se organiza em torno de empresas de fachada, pagamentos através de paraísos fiscais e sonegação de impostos.
Em 2015 o Wall Street Journal já tinha desvendado as relações entre a argentina Torneos, a brasileira Traffic e duas empresas de mídia com interesse cada vez maior no futebol: a DirecTV e a Fox.
No Brasil, a Globo foi acusada pela Receita Federal de sonegar R$ 600 milhões na compra dos direitos das Copas de 2002 e 2006 através de engenharia financeira organizada em torno da empresa Empire, nas ilhas Virgens Britânicas.
De acordo com a Receita, a emissora dos irmãos Marinho simulou investimento no Exterior para em seguida desmontar a Empire e usar o capital para pagar as cotas de transmissão.
Neste quebra-cabeças, ainda falta descobrir como a Globo fez os depósitos para a Torneos & Traffic na Holanda. Foi uma remessa que partiu diretamente do Brasil, com o conhecimento do Banco Central e declaração ao imposto de renda? Ou foi uma transferência realizada através de uma offshore? Por exemplo, a Vaincre LLC?
Se sim, muito mais que a mansão de concreto de Paraty estará por trás dos negócios da Vaincre.
Se o juiz Moro se interessar, está aí a ligação entre a Operação Lava Jato — que pegou a Vaincre na Mossack & Fonseca — e o escândalo da FIFA, que pode dar a ele projeção internacional.
Porém, Moro e o Ministério Público Federal terão de superar antes uma barreira criada pela própria Justiça brasileira.
No ano passado, uma juíza do Rio de Janeiro, onde ficam as sedes da TV Globo e da CBF, bloqueou a cooperação internacional entre investigadores brasileiros e norte-americanos no caso FIFA.
Ou seja, o Brasil ajuda os Estados Unidos a processarem a Petrobras, mas não pode ajudar os Estados Unidos a desvendar a corrupção da FIFA/CBF! Inacreditável.
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Abaixo, reportagem publicada no GNN sobre o assunto:
Globo pagou US$ 10 mi a offshore por direitos de transmissão
Jornal GGN – A relação entre a Mossack Fonseca, especialista em criação de empresas em paraísos fiscais, com as Organizações Globo vai, aos poucos, ganhando novas provas de indícios de crimes. A nova leva de documentos intitulada Panama Papers trouxe, por exemplo, a comprovação de que a TV Globo negociou aportes milionários com offshores para obter contratos de direitos de transmissão de jogos, entre 2004 e 2019.
Todos os dados da Mossack Fonseca e suas offshores, reunidos na investigação Panama Papers, do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), estão nas mãos de jornalistas do Uol, do Estado de S. Paulo e da RedeTV!. Mas nenhuma informação sobre documentos da TV Globo foi publicada, até agora, pelos veículos brasileiros.
O La Nación, da Argentina, foi quem detalhou o passo-a-passo do esquema montado na offshore T&T para esconder o caminho do dinheiro usado pelo argentino Alejandro Burzaco, executivo da Torneios SA para obter os direitos televisivos da Copa Libertadores durante 14 anos. A empresa T&T tornou-se uma grande intermediadora de venda de direitos, tema que já é investigado pela Justiça norte-americana com o escândalo da Fifa.
Os contratos da Globo com a T&T também foram disponibilizados.
Abaixo, a reportagem completa do jornal argentino, traduzido pelo GGN:
Burzaco movimentou 370 milhões de dólares em paraísos fiscais para a Copa Libertadores
As transações, realizadas por uma offshore nas Ilhas Cayman, levaram o executivo a obter os direitos para o torneio
Por Iván Ruiz, Maia Jastreblansky e Hugo Alconada Mon
O alto executivo da Torneios SA, Alejandro Burzaco, movimentou 370 milhões de dólares por meio de um grupo de empresas criadas em diversos paraísos fiscais para obter os direitos televisivos da Copa Libertadores durante 14 anos. A metodologia utilizada, que agora vem à público, reproduz a que levou a Justiça norte-americana a prendê-lo como um dos protagonistas decisivos do escândalo da FIFA.
Burzaco fixou suas operações para obter os direitos para a Libertadores em uma sociedade identificada como Torneios & Traffic Sports Marketing LTD (T&T), com base nas Ilhas Cayman, embora tenha incluído paradas em Chipre, no Uruguai e na Holanda, de acordo com centenas de documentos e extensas trocas de e-mails obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas investigativos (ICIJ), e pelo jornal alemão Sueddeutsche Zeitung, da qual teve acesso o La Nación e El Trece.
O então poderoso CEO da Torneios SA e outros empresários argentinos desenvolveram essas manobras com a ajuda da Mossack Fonseca, uma agência especializada em administrar empresas em paraísos fiscais. A T&T cedeu os direitos televisivos para a sociedade Torneios & Traffic Sports Marketing BV, sediada na Holanda, para operar como intermediária nas negociações com os canais de TV. E por trás dessa empresa holandesa, o escritório panamenho montou redes via Chipre e Uruguai com o objetivo de blindar o vazamento de quem seria o verdadeiro dono.
Mas esta metodologia, que agora vem à luz nos documentos do Panamá, é a que estava investigando a justiça norte-americana, que prendeu no ano passado Burzaco, acusado de obter contratos de televisão da Copa América, mediante o pagamento de propinas. Também, neste caso, os intermediários e offshores envolvidos são os mesmos da investigação da Fifa.
O complexo da rede societária parte em Buenos Aires. Torneios e Competições SA (T&C) detém 25% da offshore T&T, a empresa que concluiu o pagamento de 370 milhões de dólares para a Conmebol, quando Burzaco era o CEO da T&C.
O primeiro grupo foi montado para criar a T&T nas Ilhas Cayman, com vários intermediários. O vínculo entre a T&T e a CONMEBOL seguiu três etapas: o primeiro contrato foi assinado em 22 de agosto de 2003, na edição da Taça Libertadores em 2004-2010. O acordo foi mais tarde estendido para 2014 e, depois, mais uma vez renovado para 2018. Esse último contrato, assinado em 06 de março de 2008 – sim, dez anos antes – expõe a natureza secreta da operação: exige confidencialidade da relação de negócio, mesmo após a conclusão. Quem assinou? O argentino Julio Humberto Grondona e Eduardo Deluca, ambos do Comitê Executivo da CONMEBOL, e o presidente da entidade, Nicolás Leoz.
A afinidade entre a T&T e a Confederação também ficou evidente quando a empresa obteve a prioridade em uma das renovações. Inclusive, no último contrato, a empresa pagou um prêmio de 4 milhões de dólares extras.
O contrato permitia a T&T impor condições, inclusive, no aspecto esportivo da Copa Libertadores. A CONMEBOL deu a empresa o poder de exigir que as equipes tivessem um mínimo de sete jogadores titulares com, pelo menos, 15 partidas em primeiro lugar. Além disso, a empresa devia dar a sua aprovação sobre os locais, datas e horários das partidas.
Redes
Por razões fiscais, em 2012, a T&T transferiu os seus direitos à empresa Torneios&Traffic Sports Marketing BV, com sede nos Países Baixos. Por trás dessa offshore holandesa, a Mossack Fonseca criou a Medak Holding Ltd., registrada em Chipre, que, por sua vez, era controlada pela uruguaia Henlets Grupo.
O beneficiário final do Grupo Henlets era o uruguaio Escardó Barbe, até sua morte, em 2014. Após a sua morte, tornou-se acionista e diretora da Medak Marina Kantarovsky uma moradora de Córdoba, de 32 anos, que vive com o marido, o holandês Maarten Van Genutchen, que passou a ser o diretor da T&T Holanda, mas renunciou quando o esquema de corrupção da FIFA foi deflagrado. Os jornais El Trece e La Nacion tentaram se comunicar com o casal, mas não obtiveram resposta.
A empresa holandesa, com licença de televisão concedida pela T&T, intermediava a venda dos direitos. Por exemplo, a offshore negociou aportes milionários com a TV Globo do Brasil, que eram depositados no ING Bank, em Amsterdã. A empresa holandesa e a TV Globo tiveram contratos negociados de 2004 a 2019, a uma quantia estimada de 10 milhões de dólares.
Enquanto comercializavam direitos já adquiridos, a empresa holandesa executou curiosos subcontratos, algumas vezes, com José Margulies. Este empresário argentino naturalizado brasileiro é acusado pelos EUA de ser o facilitador de propinas para os dirigentes da Conmebol. As contratações eram realizadas por duas de suas empresas – também investigados pela justiça – a Somerton Ltd., registrada em Turks e Caicos, e Valente Corp., no Panamá.