Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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terça-feira, 29 de outubro de 2013

PSDB e Apaes atrasam PNE para combater a Educação Inclusiva


Edu Guimaraes

Em um momento em que se vislumbra a entrada de uma fortuna incalculável nos cofres públicos do Brasil para ser aplicada em Educação – a fortuna oriunda da exploração do pré-sal -, vamos chegando a 2014 sem que o Plano Nacional de Educação do país tenha sido aprovado pelo Congresso, sancionado pela Presidência da República e posto em prática.
O primeiro Plano Nacional de Educação, vale explicar, surgiu em 1962. Foi elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961. Não foi proposto na forma de um projeto de lei, mas apenas como iniciativa do Ministério da Educação e Cultura.
De lá para cá, além de o PNE ter virado lei, a cada dez anos o país formula outro projeto. O último foi aprovado em 2000 para viger até 2010, quando seria aprovado um novo PNE para o decênio seguinte (2010-2020). Pois bem, estamos quase em 2014 e o PNE ainda se arrasta no Congresso – atualmente, tramita no Senado.
Vale explicar que é com base no PNE que os Estados, o distrito federal e os municípios elaboram os seus planos decenais correspondentes, o que torna crucial para a combalida Educação brasileira que a cada década, religiosamente, o país tenha esse documento legal aprovado em tempo.
O PNE 2010 deveria viger até 2020, mas já não vai dar mais. O plano decenal, na hipótese de que fosse aprovado pelo Congresso e sancionado pela Presidência neste ano, teria vigência de 7 anos, de modo que teria que valer até 2024, ou seja, um “pequeno” atraso para uma Educação que vai de vento em popa – modo ironia ligado.
Mas o que é que vem atrasando um texto legal tão crucial para um país que, apesar de todos os seus avanços, ainda tem um dos piores sistemas educacionais (público e privado) do mundo? Resposta: interesses comerciais e políticos.
A quantidade de interesses sectários em jogo na aprovação de um Plano decenal para uma área que em cerca de cinco anos receberá uma quantidade imensurável de recursos públicos é o que está atrasando a sua conclusão. Mas se você pensa que essa é a parte mais dolorosa, leitor, ainda não viu nada.
Há um aspecto ainda mais revoltante nesse caso: a meta 4 do Plano Nacional de Educação se refere à Educação Inclusiva, ou seja, deficientes físicos e mentais em idade escolar (4 a 17 anos) poderem frequentar a escola regular junto a crianças ditas “normais”. Com base em interesses comerciais e políticos, porém, a inclusão vem sendo sabotada.
Como diz a jornalista especializada Meire Cavalcante, integrante do Fórum Nacional de Educação inclusiva, incluir crianças e adolescentes “especiais” em escolas regulares é uma medida civilizatória que, inclusive, é preconizada pela própria ONU no âmbito da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso brasileiro em 2008 e sancionada pela Presidência da República em 2009, quando se tornou um preceito constitucional.
Apesar da determinação constitucional de estender a Educação inclusiva a toda a rede pública de ensino, seja federal, estadual ou municipal, e apesar de durante a era Lula a inclusão ter pulado de 10% para 70%, essa medida civilizatória que vigora em praticamente todos os países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá etc. vem sendo combatida duramente no Brasil.
À frente dos combatentes estão as ditas “escolas especiais”, lideradas pelas Apaes, que atualmente abocanham a parte do leão das verbas públicas, prestam serviço a poucos e, ainda assim, combatem por todos os meios a inclusão, pois com ela perderiam muito dinheiro – público.
As Apaes e as demais instituições congêneres defendem a “educação especial” – ou seja, deficiente estudar exclusivamente junto a outros deficientes. Essa, porém, é uma velharia educacional, um atraso para essas pessoas com necessidades especiais.
Se não tivesse começado a ser implantada a Educação Inclusiva no Brasil, aliás, não veríamos hoje jovens com síndrome de Down entrando na faculdade – aliás, antigamente não se via porque não havia educação inclusiva de porte e as escolas “especiais” não ensinam de fato, constituindo-se em meras clínicas de terapias disfarçadas de escola.
Mas as Apaes e as escolas “especiais” em geral são, também, excelentes currais eleitorais e assim, como toda corporação rica e poderosa, conseguem mobilizar políticos para defenderem seus interesses no Congresso.
No caso da guerra à Educação inclusiva, essas instituições contam com o apoio do PSDB, que luta com unhas e dentes para barrar uma medida civilizatória. Luta como? Não aceitando, nas Comissões do Congresso que preparam o novo PNE, medidas que tornem inescapável a Educação Inclusiva. Luta por que? Porque as “escolas especiais” são seu curral eleitoral.
No Senado, por exemplo, o combate vem sendo dado pelo tucano do Paraná Álvaro Dias.
Nessa guerra contra a Educação Inclusiva, então, vale tudo. Por exemplo, espalhar mentiras sobre a redação original da Meta 4 do PNE, oriunda da deliberação de centenas de delegados na Conferência Nacional de Educação, de 2010. Este texto definia a universalização do ensino para essa população na escola comum, ou seja, em dez anos, a meta seria ter 100% de escolas inclusivas, com toda estrutura, como cuidadores, rampas de acesso e demais equipamentos, além de formação de professores.
Que mentiras estão espalhando? Pasme, leitor: estão dizendo que o governo federal pretende “acabar com as Apaes”.
É mentira! Às Apaes e às outras instituições especializadas ficaria designado o atendimento clínico – fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional etc., etc., etc. — e também o o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é um atendimento no turno oposto ao da sala de aula comum, para apoiar a inclusão do aluno na escola. As APAES não seriam extintas nem deixariam de receber dinheiro público, mas não teriam o papel que têm hoje, que é perverso para quem precisa.
Por que? Simplesmente porque há Apaes e outras “escolas especiais” em menos da metade dos municípios brasileiros, de modo que essas ONGs recebem fortunas imensuráveis do governo e os lugares onde não atuam ficam sem nada, pois o grosso dos recursos acaba ficando em suas mãos
No âmbito dessa luta desesperada e civilizatória que pais de crianças e adolescentes especiais como este que escreve travamos pelo instituto civilizatório que é a Educação Inclusiva, peço a você que lê que ajude a combater essa mentira que espertalhões que lucram com a miséria humana estão espalhando.
E, se possível, deixe aqui sua mensagem de apoio à Educação Inclusiva. Quem pede é o pai de uma adolescente “especial” de 15 anos que, por falta de inclusão e graças ao “filtro” da Apae – que a rejeitou por seu caso ser “muito grave”, pois só aceita casos “fáceis” para mostrar “resultados” –, teve seu desenvolvimento mental tragicamente comprometido.
As crianças e adolescentes especiais deste país contam com o seu apoio. Milhões sofrem hoje uma degeneração mental que a Educação Inclusiva ajudaria a mitigar. E isso, repito, acontece pela razão mais repugnante que se possa imaginar: para que ONGs espertalhonas encham os bolsos e para que políticos igualmente espertalhões disponham de currais eleitorais.
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Assista, abaixo, ao documentário do MEC sobre Educação Especial

CASO ALSTOM: JANOT APURA PREVARICAÇÃO DO MP

Moniz Bandeira: O Brasil e as ameaças de projeto imperial dos EUA A definição do Brasil como alvo de espionagem dos EUA não é de hoje, diz o historiador e cientista político Moniz Bandeira, em entrevista à Carta Maior.






































Marco Aurélio Weissheimer
Arquivo
Em 2005, o cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira apontou em seu livro “Formação do Império Americano” as práticas de espionagem exercidas pelas agências de inteligência dos Estados Unidos. Uma prática que, segundo ele, já tem aproximadamente meio século de existência. Desde os fins dos anos 60, diz Moniz Bandeira, a coleta de inteligência econômica e informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico de outros países, adversos e aliados, tornou-se uma prioridade do trabalho dessas agências.

Em seu novo livro, “A Segunda Guerra Fria - Geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos – Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e Oriente Médio” (Civilização Brasileira), Moniz Bandeira defende a tese de que os Estados Unidos continuam a implementar a estratégia da full spectrum dominance (dominação de espectro total) contra a presença da Rússia e da China naquelas regiões. “As revoltas da Primavera Árabe”, afirma o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, que assina o prefácio do livro, “não foram nem espontâneas e ainda muito menos democráticas, mas que nelas tiveram papel fundamental os Estados Unidos, na promoção da agitação e da subversão, por meio do envio de armas e de pessoal, direta ou indiretamente, através do Qatar e da Arábia Saudita”,

Nesta nova obra, Moniz Bandeira aprofunda e atualiza as questões apresentadas em “Formação do Império Americano”. “Em face das revoltas ocorridas na África do Norte e no Oriente Médio a partir de 2010, julguei necessário expandir e atualizar o estudo. Tratei de fazê-lo, entre e março e novembro de 2012”, afirma o autor. É neste contexto que o cientista político analisa as recentes denúncias de espionagem praticadas pelos EUA em vários países, inclusive o Brasil.

A definição do Brasil como alvo de espionagem também não é de hoje. Em entrevista à Carta Maior, Moniz Bandeira assinala que a Agência Nacional de Segurança (NSA) interveio na concorrência para a montagem do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), pelo Brasil, e assegurou a vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e serviços de engenharia da estação de interceptação de satélites do sistema Echelon. Na entrevista, o cientista político conta um pouco da história desse esquema de espionagem que, para ele, está a serviço de um projeto de poder imperial de proporções planetárias.

Moniz Bandeira defende que o Brasil, especialmente a partir da descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, deve se preparar para defender seus interesses contra esse projeto imperial. “As ameaças existem, conquanto possam parecer remotas. Mas o Direito Internacional só é respeitado quando uma nação tem capacidade de retaliar”, afirma.

Carta Maior: O seu livro "Formação do Império Americano" já tratava, em 2005, do tema da espionagem praticada por agências de inteligência dos Estados Unidos. Qual o paralelo que pode ser traçado entre a situação daquele período e as revelações que vêm sendo feitas hoje?

Moniz Bandeira: Sim, em “Formação do Império Americano”, cuja primeira edição foi lançada em 2005, mostrei, com fundamento em diversas fontes e nas revelações pelo professor visitante da Universidade de Berkeley (Califórnia), James Bamford, que o sistema de espionagem, estabelecido pela National Security Agency (NSA), começou a funcionar há mais de meio século. O objetivo inicial era captar mensagens e comunicações diplomáticas entre os governos estrangeiros, informações que pudessem afetar a segurança nacional dos Estados Unidos e dar assistência às atividades da CIA.

Com o desenvolvimento da tecnologia eletrônica, esse sistema passou a ser usado para interceptar comunicações internacionais via satélite, tais como telefonemas, faxes, mensagens através da Internet. Os equipamentos estão instalados em Elmendorf (Alaska), Yakima (Estado de Washington), Sugar Grove (Virginia ocidental), Porto Rico e Guam (Oceano Pacífico), bem como nas embaixadas, bases aéreas militares e navios dos Estados Unidos.

A diferença com a situação atual consiste na sua comprovação, com os documentos revelados por Edward Snowden, através do notável jornalista Gleen Greenwald, que mostram que a espionagem é feita em larga escala, com a maior amplitude.

Desde os fins dos anos 60, porém, a coleta de inteligência econômica e informações sobre o desenvolvimento científico e tecnológico de outros países, adversos e aliados,  tornou-se mais e mais um dos principais objetivos da COMINT (communications inteligence), operado pela NSA), dos Estados Unidos, e pelo Government Communications Headquarters (GCHQ), da Grã-Bretanha, que em 1948 haviam firmado um pacto secreto, conhecido como UKUSA (UK-USA) - Signals Intelligence (SIGINT). Esses dois países formaram um pool - conhecido como UKUSA - para interceptação de mensagens da União Soviética e demais países do Bloco Socialista, a primeira grande aliança de serviços de inteligência e à qual aderiram, posteriormente, agências de outros países, tais como  Communications Security Establishment (CSE), do Canadá, Defense Security Directorate (DSD), da Austrália e do General Communications Security Bureau (GCSB), da Nova Zelândia. Essa rede de espionagem, chamada de Five Eyes e conhecida também como ECHELON -  só se tornou publicamente conhecida, em março de 1999, quando o governo da Austrália nela integrou o Defence Signals Directorate (DSD),  sua organização de  SIGINT.

Carta Maior: Qual sua avaliação a respeito da reação (ou da falta de) da União Europeia diante das denúncias de espionagem?

Moniz Bandeira: Os serviços de inteligência da União Europeia sempre colaboraram, intimamente, com a CIA e demais órgãos dos Estados Unidos. Os governos da Alemanha, França, Espanha, Itália e outros evidentemente sabiam da existência do ECHELON e deviam intuir que o ECHELON - os Five Eyes - trabalhasse também para as corporações industriais. As informações do ECHELON, sobretudo a partir do governo do presidente Bill Clinton, eram canalizadas para o Trade Promotion Co-ordinating Committee (TPCC), uma agência inter-governamental criada em 1992 pelo Export Enhancement Act e dirigida pelo Departamento de Comércio, com o objetivo de unificar e coordenar as atividades de exportação e financiamento do dos Estados Unidos. Corporações, como Lockheed, Boeing, Loral, TRW, e Raytheon, empenhadas no desenvolvimento de tecnologia, receberam comumente importantes informações comerciais, obtidas da Alemanha, França e outros países através do ECHELON.

O presidente Clinton recorreu amplamente aos serviços da NSA para espionar os concorrentes e promover os interesses das corporações americanas. Em 1993, pediu à CIA que espionasse os fabricantes japoneses, que projetavam a fabricação de automóveis com zero-emissão de gás, e transmitiu a informação para  a Ford, General Motors e Chrysler. Também ordenou que a NSA e o FBI, em 1993, espionassem  a conferência da Asia-Pacific Economic Cooperation (APEC), Seattle, onde aparelhos foram instalados secretamente em todos os quartos do hotel, visando a  obter informação relacionada com negócios para a construção no Vietnã, da hidroelétrica Yaly. As informações foram passadas para os contribuintes de alto nível do Partido Democrata. E, em 1994, a NSA não só interceptou faxes e chamadas telefônicas entre o consórcio europeus Airbus e o governo da Arábia Saudita,  permitindo ao governo americano intervir  em favor da Boeing Co, como interveio na concorrência para a montagem do SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), pelo Brasil, e assegurou a vitória da Raytheon, a companhia encarregada da manutenção e serviços de engenharia da estação de interceptação de satélites do sistema  ECHELON, em  Sugar Grove.

Carta Maior: Um dos temas centrais de seus últimos trabalhos é a configuração do Império Americano. Qual é a particularidade desse Império Americano hoje? Trata-se de um Império no sentido tradicional do termo ou de um novo tipo?

Moniz Bandeira: Todos os impérios têm particularidades, que são determinadas pelo desenvolvimento das forças produtivas. Assim, não obstante a estabilidade das palavras, o conceito deve evoluir conforme a realidade que ele trata de representar. O império, na atualidade, tem outras características, as características do ultra-imperialismo, o cartel das potências industriais, sob a hegemonia dos Estados Unidos, que configuram a única potência capaz de executar uma política de poder, com o objetivo estratégico de assegurar fontes de energia e de matérias primas, bem como os investimentos e mercados de suas grandes corporações, mediante a manutenção de bases militares, nas mais diversas regiões do mundo, nas quais avança seus interesses, através da mídia, ações encobertas dos serviços de inteligência, lobbies, corrupção, pressões econômicas diretas ou indiretas, por meio de organizações internacionais, como Banco Mundial, FMI, onde detém posição majoritária. As guerras, para o consumo dos armamentos e aquecimento da economia, foram transferidas para a periferia do sistema capitalista.

É óbvio, portanto, que o Império Americano é diferente do Império Romano e do Império Britânico. Ainda que informal, isto é, não declarado, os Estados Unidos constituem um império. São a única potência, com bases militares em todas as regiões do mundo e cujas Forças Armadas não têm como finalidade a defesa das fronteiras nacionais, mas a intervenção em outros países. Desde sua fundação, em 1776, os Estados Unidos estiveram at war 214 em seus 236 anos do calendário de sua existência, até dezembro de 2012. Somente em 21 anos não promoveram qualquer guerra. E, atualmente, o governo do presidente Barack Obama promove guerras secretas em mais de 129 países. O Império Americano (e, em larga medida, as potências industriais da Europa) necessita de guerras para manter sua economia em funcionamento, evitar o colapso da indústria bélica e de sua cadeia produtiva, bem como evitar o aumento do número de desempregados e a bancarrota de muitos Estados americanos, como a Califórnia, cuja receita depende da produção de armamentos.

Ademais do incomparável poderio militar, os Estados Unidos também detém o monopólio da moeda de reserva internacional, o dólar, que somente Washington pode determinar a emissão e com a emissão de papéis podres e postos em circulação, sem lastro, financiar seus déficits orçamentários e a dívida pública. Trata-se de um "previligégio exorbitante", conforme o general Charles de Gaulle definiu esse unipolar global currency system, que permite aos Estados Unidos a supremacia sobre o sistema financeiro internacional.

Carta Maior: Qual a perspectiva de longo prazo desse império? 

Moniz Bandeira: Os Estados Unidos, como demonstrei nesse meu novo “A Segunda Guerra Fria”, lançado pela editora Civilização Brasileira, estão empenhados em consolidar uma ordem global, um império planetário, sob sua hegemonia e da Grã-Bretanha, conforme preconizara o geopolítico Nicholas J. Spykman, tendo os países da União Européia e outros como vassalos. O próprio presidente Obama  reafirmou, perante o Parlamento britânico, em Westminster (maio de 2011) que a “special relationship” dos dois países (Estados Unidos e Grã-Bretanha), sua ação e liderança eram indispensáveis à causa da dignidade humana, e os ideais e o caráter de seus povos tornavam “the United States and the United Kingdom indispensable to this moment in history”. Entremente, o processo de globalização econômica e política, fomentado pelo sistema financeiro internacional e pelas grandes corporações multinacionais, estava a debilitar cada vez mais o poder dos Estados nacionais, levando-os a perder a soberania sobre suas próprias questões econômicas e sociais, bem como de ordem jurídica.

O Project for the New American Century, dos neo-conservadores  e executado pelo ex-presidente George W. Bush inseriu os Estados Unidos em um estado de guerra permanente, uma guerra infinita e indefinida, contra um inimigo assimétrico, sem esquadras e sem força aérea, com o objetivo de implantar a full spectrum dominance, isto é, o domínio completo da terra, mar, ar e ciberespaço pelos Estados Unidos, que se arrogaram à condição de única potência verdadeiramente soberana sobre a Terra, de  "indispensable nation" e “exceptional”.

O presidente Barack Obama  endossou-o, tal como explicitado na Joint Vision 2010 e ratificado pela Joint Vision 2020, do Estado Maior-Conjunto, sob a chefia do general de exército Henry Shelton. E o NSA é um dos intrumentos para implantar a full spectrum dominance, uma vez que monitorar as comunicações de todos os governantes tanto aliados quanto rivais é essencial para seus propósitos. Informação é poder

Carta Maior: Qual o contraponto possível a esse império no ambiente geopolítico atual?

Moniz Bandeira: Quando em 2006 recebi o Troféu Juca Pato, eleito pela União Brasileira de Escritores "Intelectual do ano 2005", por causa do meu livro “Formação do Império Americano”, pronunciei um discurso, no qual previ que, se o declínio do Império Romano durou muitos séculos, o declínio do Império Americano provavelmente levará provavelmente algumas décadas. O desenvolvimento das ferramentas eletrônicas, da tecnologia digital, imprimiu velocidade ao tempo, e a sua queda será tão vertiginosa, dramática e violenta quanto sua ascensão. Contudo, não será destruído militarmente por nenhuma outra potência. Essa perspectiva não há. O Império Americano esbarrondará sob o peso de suas próprias contradições econômicas, de suas dívidas, pois não poderá indefinidamente emitir dólares sem lastros para comprar petróleo e todas as mercadorias das quais depende, e depender do financiamento de outros países, que compram os bonus do Tesouro americano, para financiar seu consumo, que excede a produção, e financiar suas guerras.

É com isto que a China conta. Ela é o maior credor dos Estados Unidos, com reservas de cerca US$ 3,5 trilhões, das quais apenas US$ 1,145 trilhão estavam investidos em U.S. Treasuries. E o  ex-primeiro-ministro Wen Jiabao  previu o “primeiro estágio do socialismo para dentro de 100 anos”, ao afirmar que o Partido Comunista persistiria executando as reformas e inovação a fim de assegurar o vigor e vitalidade e assegurar o socialismo com as características chinesas, pois “sem a sustentação e pleno desemvolvimento das forças produtivas, seria impossível alcançar a equidade e justiça social, requesitos essenciais do socialismo.”

Carta Maior: Na sua opinião, o que um país como o Brasil pode fazer para enfrentar esse cenário?

Moniz Bandeira: O ministro-plenipotenciário do Brasil em Washington, Sérgio Teixeira de Macedo, escreveu, em 1849, que não acreditava que houvesse “um só país civilizado onde a idéia de provocações e de guerras seja tão popular como nos Estados Unidos”. Conforme percebeu, a “democracia”, orgulhosa do seu desenvolvimento, só pensava em conquista, intervenção e guerra estrangeira, e preparava, de um lado, a anexação de toda a América do Norte e, do outro, uma política de influência sobre a América do Sul, que se confundia com suserania.

O embaixador do Brasil em Washington, Domício da Gama, comentou, em 1912, que o povo americano, formado com o concurso de tantos povos, se julgava diferente de todos eles e superior a eles. E acrescentou que “o duro egoísmo individual ampliou-se às proporções do que se poderia chamar de egoísmo nacional”. Assim os Estados Unidos sempre tenderam e tendem a não aceitar normas ou limitações jurídicas internacionais, o Direito Internacional, não obstante o trabalho de Woodrow Wilson para formar a Liga das Nações e de Franklin D. Roosevelt para constituir a ONU. E o Brasil, desde 1849, esteve a enfrentar a ameaça dos Estados Unidos que pretendiam assenhorear-se da Amazônia.

Agora, a situação é diferente, mas, como adverti diversas vezes, uma potência, tecnologicamente superior, é muito mais perigosa quando está em declínio, a perder sua hegemonia e quer conservá-la, do que quando expandia seu império. Com as descobertas das jazidas pré-sal, o Brasil entrou no mapa geopolítico do petróleo. As ameaças existem, conquanto possam parecer remotas. Mas o Direito Internacional só é respeitado quando uma nação tem capacidade de retaliar. O Brasil, portanto, deve estar preparado para enfrentar, no mar e em terra, e no ciberespaço, os desafios que se configuram, lembrando a máxima “se queres a paz prepara-te para a guerra” (Si vis pacem,para bellum)

O que Marx e Keynes tem a dizer a 2014 Quem considera indiferente a vitória de Dilma Rousseff, Eduardo Campos ou Aécio Neves em 2014 deve abrir os olhos à experiência da história.

por: Saul Leblon 

Um congresso sobre marxismo numa Europa devastada pela recessão e o desemprego, fruto da austeridade pró-mercados, seria a última pauta do mundo para a grande mídia conservadora.

Esse é um dos motivos pelos quais é importante existir pluralismo informativo (ademais de condições estruturais e econômicas para que ele possa ser exercido).

Carta Maior decidiu cobrir o II Congresso Karl Marx, em Lisboa,  por considerar que o Brasil vive uma transição de ciclo de desenvolvimento  fortemente condicionada pelas determinações internacionais. E pelas escolhas históricas embutidas nesse divisor.

As condicionalidades precisam ser entendidas para que possam ser afrontadas ou ao menos mitigadas –e isso passa pela compreensão que a  análise marxista propicia sobre a natureza da  crise atual.

A maior crise do capitalismo desde 1929 marmoriza o debate sobre o  passo seguinte do desenvolvimento brasileiro  mais do que desconfiam, ou gostariam de admitir,  os protagonistas reconhecidos e pretensos  da disputa de 2014.

É com esses  olhos que devem ser lidos os vários despachos enviados pela correspondente em Lisboa, Cristina Portella.

Não se trata de transpor as condições europeias para a singularidade de nossa equação de desenvolvimento.

Mas o que aqui se apregoa como sendo um ‘novo’ caminho para o Brasil, como alardeiam os presidenciáveis Campos, Marina , Aécio, seus colunistas e o dispositivo emissor que os ancora, encontra preocupantes pontos de identidade com as políticas de ajuste que jogaram a Europa no moedor de carne analisado no II Congresso Karl Marx.

Da entrevista feita por Cristina com o economista português Francisco Louçã, por exemplo,  do Bloco de Esquerda, ou da conversa carregada de angústia com o filósofo grego Stathis Kouvelakis, dirigente do Syriza, a Coligação da Esquerda Radical (leia nesta pág), avultam advertências implícitas às receitas de arrocho redentor (contração expansiva, diz-se elegantemente) embutidas no discurso do conservadorismo brasileiro.

Seria essa a alternativa  ao que se acusa de  ‘intervencionismo de baixo crescimento’ do governo Dilma.

Um aumento brutal da exploração social. Nisso consiste o ajuste a mercado das economias europeias, achatadas em endividamento e déficits fiscais vitaminados pela própria mecânica do arrocho em curso.

“O  que a burguesia europeia pretende é a estabilidade de um regime que permita assegurar esse aumento da extração da mais-valia”, diz Louçã na entrevista a Carta Maior. “ A redução da taxa de lucro é respondida pela afirmação das políticas liberais (...) o aumento da dívida (pública)  e o aumento da exploração. E a dívida é uma forma de exploração, porque é uma garantia do valor dos salários que é pago no futuro sobre a forma de impostos”, diz Louçã.

As consequências políticas da supremacia da lógica financeira sobre os interesses da sociedade  são devastadoras, explica o dirigente do Syriza,  Stathis Kouvelakis. 

Na Grécia, reduzida a um laboratório de ponta do arrocho neoliberal, todo o antigo sistema político se dissolveu na convulsão mercadista.

“Um pouco da forma como o velho sistema político boliviano ou venezuelano desapareceram depois do choque das reformas neoliberais”, diz ele.

A receita só se viabiliza, na verdade, com a concomitante desintegração do próprio aparelho de Estado, uma vez que se trata de erradicar a dimensão pública da economia.

A singularidade terminal do caso grego, segundo Kouvelakis, é que essa liquefação não se restringiu à esfera social e dos serviços. Sua virulência atingiu o próprio núcleo duro do Estado. “Incluindo o aparelho repressivo, o próprio Exército, que também foi atingido pela contração da atividade e os cortes orçamentais”, explica.

“Há uma atmosfera geral de que a autoridade do Estado já não se sustenta, e isto cria situações absolutamente explosivas na Grécia. E muito contraditórias’, desabafa  o dirigente do Syriza na entrevista a Carta Maior.

“Há uma radicalização política tanto na esquerda quanto na direita, e a ascensão pela primeira vez, no contexto da Europa ocidental, de um movimento fascista, com apoio real em certos setores da sociedade, e também com a capacidade de infiltrar-se em certos setores do Estado, e até da polícia, como vimos recentemente”.

A derrota do Syriza nas eleições de 2012, mesmo sendo por pequena margem de votos, teve um efeito desmobilizador dramático  na Grécia, facilitando a sangria conservadora.

Quem considera indiferente no Brasil a vitória de Dilma, Campos ou  Aécio deve abrir os olhos à experiência da história. 

 ‘Os tempos são muito duros, porque foram implementadas as mesmas políticas, a sociedade está ainda mais traumatizada do que há um ano e meio, os fascistas tornaram-se a terceira força política;  existe uma corrida entre as alternativas progressistas, como a do Syriza, ou soluções extremamente perigosas e autoritárias, como as defendidas não só pelos fascistas, mas também por todo um setor do Estado e das forças políticas dominantes’, adverte Kouvelakis.

A tragédia grega exacerba uma marca do nosso tempo.

A mesma que perambula dissimuladamente como virtude no discurso conservador brasileiro. Às vezes fantasiada da leveza verde.

 Esse é um tempo em que a saúde dos mercados e a deriva da sociedade e do seu desenvolvimento  não são  realidades contraditórias.

Antes, exprimem uma racionalidade impossível de se combater sem uma intervenção política que enquadre os mercados e instrumentalize o Estado para agir nessa direção.

Sintomas dessa dualidade funcional podem ser pinçados nesse momento na Espanha, por exemplo.

A austeridade  jogou 26% da força de trabalho na rua (seis milhões de pessoas), mas os banqueiros saúdam ‘a recuperação’. 
  
Despejos atingiram milhares de famílias espanholas, enquanto 750  mil imóveis novos encontram-se encalhados  e mais 500 mil inconclusos.

Segundo o jornal ‘El país’, especialistas discutem a conveniência de se demolir uma parte dessa ‘sobra’.

Para recuperar os preços do mercado imobiliário.

O absurdo foi implementado  nos EUA e na Irlanda. Com bons resultados, dizem os analistas de negócios.

O que parece ser exceção é a norma.

Corporações saudáveis, nações devastadas. Populações acuadas, ambientes asfixiados pela desigualdade, a violência e o desalento.

O que importa reter, das lições ecoadas no II Congresso Karl Marx,  é a tendência mais geral de um capitalismo que, deixado à própria sorte, mais que nunca vai operar em condições de baixa demanda efetiva e elevado desemprego.

Ou não será exatamente isso, deixa-lo à vontade para funcionar assim, o que tem pregado a agenda conservadora  no Brasil?

Duas em cada três manchetes do jornalismo econômico que a ecoa manifestam  irritação com o pleno emprego, com o fomento ‘desenvolvimentista do BNDES’, com as exigências de índice de nacionalidade nas encomendas do pré-sal, com a fórmula ‘inflacionária’ de reajuste do salário mínimo, com a baixa alocação de superávit fiscal aos rentistas   e a ‘gastança’ dos programas sociais.

Comandar socialmente o investimento, puxando-o pelas rédeas do Estado, como se inclina a fazer o governo, desde 2008, sem dúvida é uma dos antídotos ao arrocho que devasta a Europa e alguns querem trazer  ao Brasil.

Mas ser keynesiano em tempos de capital monopolista e desordem neoliberal tem um preço que o governo brasileiro hesita em pagar.

O keynesianismo em si  tornou-se  uma teoria desprovida de  conteúdo histórico.
A democracia precisa avançar sobre a supremacia dos mercados para abrir espaço de coerência à macroeconomia necessária ao fomento da  produção e da justiça social em nosso tempo.

Em outras palavras, o desenvolvimento que afronta a coagulação histórica do capital requer um projeto social  que o conduza.

Logo, um protagonista coletivo que o lidere.

Essa defasagem da democracia brasileira explica, em boa medida, o difícil parto do passo seguinte da história nesse momento.

Esgotada a fase alegre dos consensos, como é o caso, e o será cada vez mais, uma sugestão ao governo é de que aproveite a boa fase atual e se articule.

A disputa de 2014 pode ser uma oportunidade para recuperar o tempo perdido nesse quesito incontornável: erguer pontes de compromissos e políticas que harmonizem a democracia política com as tarefas sociais e econômicas de um novo ciclo de desenvolvimento.

A ver.

CAMPELLO DERRUBA OS MITOS CONTRA O BOLSA FAMÍLIA Homem adulto que recebe o Bolsa trabalha ! Mulher não engravida para ter o dinheiro.

Elas combatem a fome, a miséria - e o preconceito


O governo lançará nesta quarta-feira (30), na comemoração do aniversário dos dez anos do Bolsa Família, em Brasília, com a Presidenta Dilma e o Nunca Dantes, um livro de 500 páginas com estudos sobre o programa.

O livro desmonta os mitos – preconceitos – contra o Bolsa Família.

O mito de quem recebe o Bolsa Família não trabalha.

Ou seja, o pobre é vagabundo.

O mito de que a mulher engravida para não sair do Bolsa Família.

Ou seja, a mulher pobre é pilantra.

O mito de que o Bolsa Família não tem “porta de saída”.

Ou seja, o Bolsa dá a vara mas não ensina a pescar.

O mito de que o Bolsa Família é um desperdício, “patrimonialista”, “paternalista”.

Ou seja, o Lula criou o Bolsa Família para assegurar os votos do Nordeste.

Paulo Henrique Amorim entrevistou, por telefone, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

Ela desmonta os mitos todos.

Eis a entrevista em áudio e texto:


PHA: O candidato à presidência da República, Eduardo Campos, acaba de fazer a seguinte afirmação: “Estamos vendo hoje as filhas do Bolsa Família se tornando mães do Bolsa Família. A gente vai assistir elas sendo avós do Bolsa Família? Como fazemos fazer com que isso se rompa, se não por uma política de educação transformadora?”
O que a senhora diria sobre isso? As filhas do Bolsa Família estão se tornando avós do Bolsa Família?

Tereza Campello: Nós temos 50 milhões de pessoas no Bolsa Família, quase 14 milhões de famílias.

Então, obviamente, que as pessoas sempre vão poder achar um caso de “as filhas, das filhas…” Se procurar bem, já vão achar até as avós dentro do próprio Bolsa Família, porque nós estamos falando de dez anos.

Nós temos que falar do Bolsa Família, primeiro, como processo. E, segundo, com a escala com que estamos trabalhando, não a partir das exceções e do baixo astral.

Nós estamos lançando quarta-feira (30) um livro.

Um livro realmente impactante, de 500 páginas. Com pesquisadores; cientistas; estudiosos – com 29 capítulos, mais de 60 autores, passando por vários mitos, vários boatos e analisando cada um deles.

Eu ousaria dizer que o que mais me impressionou no conjunto dos estudos foi justamente o impacto do Bolsa Família no que se refere a transformação nas crianças e nos jovens do Brasil.

Muito se fala no impacto do Bolsa Família sobre a pobreza e na extrema pobreza – e ele é realmente muito importante.

Mas, se a gente for olhar a transformação na vida dessas crianças, crianças que, muitas vezes, nem chegavam à escola e hoje a gente vê que todas estão na escola.

O nível de abandono da escola das crianças do Bolsa Família é muito inferior à das demais crianças. 

A taxa de permanência (na escola) das crianças do Bolsa Família é muito superior.

Quando a gente olha no primeiro ano, no segundo ano, ela já é superior. Mas quando a gente olha no ensino médio, nossas crianças estão muito mais na escola do que as crianças que não são do Bolsa Família.

Só isso já mostra o efeito transformador sobre essas crianças – que, antes, eram as primeiras a se evadir (da escola).

Agora, quando a gente verifica o desempenho das nossas crianças, veremos que elas estão indo bem, muito bem.

E quando chegam ao ensino médio, elas estão indo melhor do que os demais jovens.

Obviamente, a escola tem muito a melhorar.

Nós estamos fazendo um esforço enorme, criando escolas em tempo integral, direcionando a escola em tempo integral justamente para a população do Bolsa Família.

Nós queremos que as crianças entrem antes na escola, que tenhamos mais creches.

É claro que ninguém faz isso da noite para o dia, isso está em pleno processo, em plena transformação.

Agora, pela primeira vez na História do Brasil o indicador dos mais pobres está a cima da média do Brasil.

Eu gostaria de convidar a todos – não só os que hoje, eventualmente, criticam o Bolsa Família, mas o conjunto da sociedade – para conhecer esses números que são realmente entusiasmantes.


PHA: Existe algum motivo especial para se imaginar que a situação do Bolsa Família seja pior em Pernambuco, ou Pernambuco está dentro da média?
Campello: O Nordeste em especial tem um desempenho muito bom. Alguns estados melhores do que outros, mas, em geral, o Nordeste se destaca.

Esse é um esforço das prefeituras. No Nordeste, muitos municípios aderiram quase que imediatamente ao Bolsa Família. Nós temos um trabalho lá que é de longa data.

Uma coisa que pouca gente sabe, Paulo Henrique. As pessoas perguntam: “como a gente sabe que as crianças estão na escola?”

Nós temos um exército de servidores na área da Educação, nos municípios, que acompanham a frequência dos estudantes do Bolsa Família mensalmente.

Todo mês, os meninos do Bolsa Família tem sua frequência anotada. E a frequência deles é maior do que a das demais crianças. Isso (a frequência) é obrigatório.

A frequência (mínima) dos meninos do Bolsa Família é de 85%. A dos que não são do Bolsa Família, é de 75%.

Então eles tem um nível de exposição à escola maior, são mais cobrados.

Às vezes nós somos até criticados por isso, dizem que nós estamos exigindo muito dessas crianças, mas, de fato, nós queremos que eles possam ser bem-sucedidos na vida, e que possam romper com uma trajetória que era uma trajetória historicamente triste.

E eles estão indo bem, todos os indicadores que envolvem nutrição, que envolvem o desempenho escolar, são excepcionais.



PHA: Quais são os pré-requisitos – mesmo depois de dez anos ainda vale a pena lembrar isso – para que uma mãe receba o Bolsa Família, no que concerne ao desempenho escolar ?
Campello: A criança tem que ter frequência acima de 85% – como eu disse, contra 75% que é a frequência mínima do conjunto das outras crianças, tanto da rede pública quanto da rede privada.

E isso não é medido no ano, é bimestral. Então a aula começa em fevereiro, em março a gente já olha para ver se a frequência está em 85%. Se não está, essa família já começa a ser notificada.

Nós queremos ter criança em sala de aula o tempo todo, para ela se alimentar melhor, e porque a exposição à Educação é positiva para essa criança – todos os indicadores do mundo mostram isso.

As mães (que recebem o Bolsa), quando gestantes, tem que fazer o pré-natal. E no caso da saúde das crianças, elas tem que ir ao posto de saúde semestralmente onde elas tem de ser medidas, pesadas e vacinadas.

No caso da Educação, o que nós estamos exigindo é frequência.

Quando a criança deixa de ir à escola nós informamos à família e, antes de cortar o benefício vai uma assistente social à casa da criança para tentar entender o que está acontecendo.

Eventualmente, pode ter acontecido alguma coisa, algum motivo de força maior que justifique (a ausência), como justificaria qualquer outra criança.


PHA: É claro que nessa crítica feita pelo governador Eduardo Campos tem a questão da porta de saída. Eu lhe pergunto: quantas pessoas hoje já deixaram o Bolsa Família porque melhoraram de vida ?
Campello: Nós temos 1,7 milhões de famílias que deixaram o Bolsa Família. Isso dá em torno de 6,5 milhões de pessoas que saíram do Bolsa Família.

Agora, as pessoas acham – e de certa forma isso é natural – que ficar no Bolsa Família é um sinal de fracasso.

Na nossa avaliação, é que não é.

A maioria dos adultos do Bolsa Família trabalha, e trabalha na mesma média dos demais que não são do Bolsa Família.

Metade da população do Bolsa Família não trabalha, por quê ? Porque tem menos de 16 anos. Então não trabalha e não deve trabalhar.

Dos adultos, 75% trabalham. Essa é exatamente a média que nós encontramos na População Economicamente Ativa (PEA).

Se exige do público do Bolsa Família que ele deixe o Bolsa Família. Nós queremos desse público que ele trabalhe e prospere. Eles já trabalham, então como fazê-los prosperar ?

Primeiro: levando qualificação profissional e oportunidade.

Isso nós estamos fazendo com um sucesso muito grande. Uma das áreas que estão tendo um retorno excepcional é o PRONATEC, que é o programa de qualificação profissional, e que tem passado por uma grande transformação no Brasil.

Tradicionalmente, os programas de qualificação profissional que eram oferecidos para os mais pobres eram cursos muito ruins.

Cursos de uma semana, de duas semanas, que eram mais para dar um susto nas pessoas; elas acabavam aprendendo só a fazer um currículo. Em duas semanas vai se aprender o quê ?

E eram cursos feitos por entidades com baixa qualificação técnica. A Presidenta (Dilma) mudou isso radicalmente ao criar o PRONATEC.

Alterou a oferta. Agora os cursos tem que ser de alto nível.

Quem é que está oferecendo cursos de qualificação para os mais pobres hoje ? 

Coisa que não acontecia antes. 

São cursos do ”Sistema S”, SESI, SENAI, SESC, SENAC, SEBRAE. 

Ou seja, o que nós temos de melhor no Brasil. E tem também os nossos Institutos Federais.

O ‘PRONATEC está funcionando há um ano e oito meses, em um ano e oito meses nós qualificamos 800 mil pessoas do “Brasil Sem Miséria”.

Nós tínhamos uma meta de 1 milhão até dezembro de 2014. Nós vamos praticamente ter uma vez e meia isso, se nós continuarmos com o desempenho que estamos tendo até agora.

A qualificação profissional ajuda a realocar essa pessoa no mercado de trabalho.

Porque – como eu já disse – elas já trabalham, mas, às vezes, trabalham no pior emprego que tem – ele é pedreiro, mas como ele não fez o curso de qualificação, faz um bico numa obra clandestina; trabalha dia sim, outro não.

Com um curso de qualificação para pedreiro, para auxiliar de pedreiro, para azulejista, encanador, eletricista ele consegue melhorar a inserção no mercado, já que ele tem um curso e um certificado bom.

A mesma coisa no comércio: auxiliar de cozinha, cozinheiro, garçom. 

Nós estamos formando milhares e milhares de pessoas em áreas que, tradicionalmente, antes, nosso público não trabalhava. E que hoje são áreas que o mercado de trabalho procura.

Por exemplo, cuidador de idoso.

O Brasil está melhorando, tem uma população idosa cada vez maior, uma população idosa bem colocada, de classe média. Muitas vezes, o idoso não precisa de um auxiliar de enfermagem, precisa de alguém que o apoie no dia a dia, alguém que faça companhia.

Nós estamos formando centenas e mais centenas de cuidadores de idosos e cuidadores de crianças no público do Bolsa Família.

Agora, o encanador, pode tanto arrumar um emprego em alguma empresa, como pode montar seu próprio negócio de encanador.

A costureira pode arrumar um emprego numa fábrica, ou montar uma cooperativa com as suas vizinhas, ou ainda costurar para fora e se tornar uma microempresária – isso tem acontecido muito.

Nós temos dados muito recentes que mostram que, na verdade, o Bolsa Família é uma grande porta de entrada.

Entrada para quê?

Das crianças para o ensino integral; das crianças para a creche – porque quando a criança é do Bolsa Família, o governo paga 50 reais a mais se o município abrir uma vaga e colocar essa criança, que é mais pobre.

Para os adultos, é uma oportunidade para quem está no campo, e ainda não tem luz, entrar no “Luz para Todos”; entrar no ”Minha Casa Minha Vida”; no ”PRONATEC”; no ”Crescer”, que é o microcrédito produtivo orientado.

Mais de 50% dos empréstimos do “Crescer” são para pessoas de baixa renda e baixa escolaridade do “Cadastro Único”.

Nós temos hoje cerca de 10% dos microempreendedores, que se formalizaram no Brasil, que são do Bolsa Família.

Isso mostra que é preconceito contra pobre dizer que eles não trabalham. Achar que eles não querem trabalhar, que eles precisam de favor. Esse público não precisa de favor. Precisa é de oportunidade.

O Bolsa Família muitas vezes é uma oportunidade inclusive para que a pessoa tenha um dinheirinho extra.

Pra quem não tiver trabalhando poder ir atrás do emprego
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Essa coisa de “só pode usar com comida”, não é verdade. Se quiser pegar o ônibus, pode; se quiser comprar material de higiene, para cuidar bem das crianças, pode; se quiser comprar uma roupinha, um calçado, pode.

E eu acho que um dado novo e surpreendente, que estará nesse nosso livro, e que nós já divulgamos na semana passada, é que para aqueles que achavam que nós estávamos gastando mal os R$ 24 bilhões do Bolsa Família – veja, nós não fazemos o Bolsa Família para ter retorno financeiro, fizemos para três coisas: para combater a pobreza; levar as crianças para escola; e levar as crianças para o Sistema de Saúde – mas, como essas famílias gastam o dinheiro com bens que são produzidos dentro do Brasil, que é: comida, roupa, remédio, material escolar, material de higiene e assim por diante, o que acontece ? 

Cada 1 real investido no Bolsa Família, retorna para o PIB com R$1,78.

E no consumo geral das famílias (o retorno é de) R$2,40.

Numa cidadezinha pequena, a mãe vai para feira e gasta o dinheiro dela na feira. Gera renda para o agricultor familiar – que vendeu na feira o seu produto – e que, por sua vez, gasta também na cidade.

Por isso, hoje a gente diz que o Bolsa Família beneficia todo o Brasil. É muito difícil encontrar uma pessoa (no Brasil) que não seja direta, ou indiretamente, beneficiada pelo Bolsa Família.



PHA: A senhora falou sobre pessoas que estão nos municípios checando a frequência escolar. Quantas pessoas do Bolsa Família estão trabalhando nisso pelo Brasil?
Campello: Na rede de Educação, fazendo esse levantamento, tem um conjunto de servidores da área de educação que, além de suas funções normais, tem que entrar bimestralmente em um sistema, que é um sistema que acompanha a frequência dos alunos.

Nós chamamos esse sistema de SICOM. Eles tem que alimentar esse sistema bimestralmente. São 32 mil servidores da Educação que fazem isso.



PHA: Sobre um efeito imaterial do Bolsa Família, que é muitas vezes subestimado: o efeito do Bolsa Família na vida das mulheres, que são quem recebem pela família o benefício. O que aconteceu com a mulher beneficiária do Bolsa Família nesses dez anos?
Campello: Primeiro, uma parte grande dessas mulheres, até pela condição de pobreza, ficava em casa cuidando das crianças, não tinha nenhum tipo de decisão familiar.

Se você pegar a mulher do campo, por exemplo, todo o processo de decisão sobre o gasto familiar era feito pelo homem: onde ia se plantar, o que ia se plantar, tudo era decidido pelo homem.

Esse processo começou a mudar, isso aparece em todas as pesquisas que a gente fez, inclusive qualitativas, mostrando que as mulheres conquistaram um poder decisório maior sobre os gastos da família.

Segundo, essas pessoas passaram a ter um dinheiro com que elas podem contar todo mês, e não um dinheiro variável, como era muitas vezes – fazia um bico hoje, ganha dois reais, compra arroz; fazia outro bico amanhã, ganhava cinco reais e comprava feijão e tomate.

O dinheiro do Bolsa Família gerou isso que nós chamamos de ”educação financeira” nas mulheres e nessas famílias.

Elas passaram a planejar o que fazer. Muitas vezes, poupar para comprar alguma coisa, um calçado, um eletrodoméstico para a casa.

Eu acho que houve um processo de inclusão financeira, de empoderamento, já que essas pessoas eram completamente excluídas desse elemento da modernidade, que é ser incluída financeiramente.

Acho que esse é o maior processo de inclusão financeira já feita no país, nessa população pobre. Mesmo os que não tem conta vão ao banco, vão à casa lotérica (receber o beneficio), aprenderam a usar esse universo, que é um universo também de cidadania.


PHA: Existe a desconfiança – aqui e em países como os Estados Unidos, no “Food Stamp”, países em que existem programas de inclusão como o Bolsa Família – de que há ”mães profissionais”, que engravidam para continuar a receber o Bolsa Família. O que aconteceu com o índice de natalidade entre as mulheres que recebem o Bolsa Família ? Subiu ou diminuiu ?
Campello: Esse é outro capítulo do nosso livro, sobre fecundidade, sobre esse preconceito – porque as pessoas partem do princípio de que só porque a pessoa é pobre ela age dessa forma oportunista.

É difícil imaginar alguém querendo ter um filho só para ter o beneficio. Até porque seria muita burrice. Todos nós pais sabemos o trabalho que dá criar um filho até a idade adulta.

Mas, felizmente, hoje nós temos estatísticas que colocam abaixo qualquer suspeição dessa natureza.

A taxa de natalidade caiu muito fortemente no Brasil, caiu 20% nos últimos dez anos. Caiu inclusive de forma assustadora, porque, se ela continuar a cair nesse ritmo, nós não teremos mão de obra suficiente nos próximos 20 anos.

E entre os mais pobres, a natalidade caiu 30%.

Ou seja, caiu 20% na média nacional e entre os mais pobres caiu 30%, exatamente entre a população que recebe o Bolsa Família. O que bota um fim nesse mito e nesse preconceito contra a população pobre.


PHA: Agora, minha desconfiança é que a senhora, mesmo com esse livro, e com outras entrevistas que a senhora dê, não conseguirá enfrentar os mesmos preconceitos de sempre.
Campello: Paulo Henrique, acontece o seguinte: vamos imaginar que parte dessas pessoas que reproduz esse pensamento o reproduzissem por ignorância, porque não tinham acesso à informação.

Tem mais achismo. Muitas pessoas que dizem isso tem acesso à informação, sim.

Agora (com as informações disponíveis), se disser isso, é preconceito mesmo.

Agora nós temos prova, temos estatísticas, estudos que provam isso. 

Agora, não tem nenhum estudo do lado de lá. Que venham os estudos do lado de lá.

Eu duvido que apareça um pesquisador no Brasil, sério ou não sério, diga o contrário. 

Então ficará provado que é só preconceito.



PHA: O Bolsa Família continua naquele patamar de 1% do PIB?
Campello: Não, é só 0,46% do PIB.


PHA: A senhora vê que até eu que me considero sem preconceito contra o Bolsa Família ignorava que custa a metade de um por cento do PIB… Ministra, eu vou lhe pedir para que entre os dados que a senhora se propôs a mandar ao Conversa Afiada, que a senhora mande, por favor, dados específicos sobre Pernambuco. Para se saber se, por acaso, Pernambuco apresenta resultados piores do que no resto do Brasil.
Campello: Paulo Henrique, no caso do Bolsa Família eu acho difícil que a gente consiga demonstrar isso por Estados, porque os dados são por municípios. Eu acho difícil a gente fazer isso e é desnecessário.

Eu gostaria que o nosso governador Eduardo Campos, que sempre reconheceu a importância do Bolsa Família, desde a época do presidente Lula, que ele mantivesse a sua posição.

E lesse o nosso livro, né? Eu vou mandar o nosso livro pra ele.