Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

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sábado, 12 de outubro de 2013

Paulo Nogueira revela bastidores da cúpula da Globo

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Publicamos abaixo a reunião de depoimentos de dois experientes jornalistas, Paulo Nogueira e Paulo Henrique Amorim, que conheceram de perto as decisões da cúpula das Organizações Globo. A impressão que eu tive é de um ambiente monárquico medieval, com o rei sentado ao meio e seus dois principais conselheiros um de cada lado. Interessante notar que, segundo Nogueira, os dois conselheiros, Merval e Ali Kamel, disputam entre si quem reflete melhor a opinião do chefe, João Roberto Marinho.
A colona do Ataulfo foi um prêmio de consolação. Mas, ele tenta reverter o legado funesto.
arnold-schwarzenegger-1024x575Na foto, o Dr Roberto jovem
Paulo Nogueira conhece as vísceras da Globo Overseas.
(O Miguel do Rosário também. O Fernando Brito também. O Azenha também.)
Em outro post no Diário do Centro do Mundo, ele descreveu como o Ataulfo Merval da Paiva (*) e o Gilberto Freire com “i” (**) disputam para ver quem concorda mais com o patrão – na frente do patrão.
(Como diz o Mino Carta, o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega.
Por essas e outras, no romance “O Brasil”, Mino criou um personagem que tem tudo, o corpo e a alma do Ataulfo – clique aqui para ler “O Brasil do Mino é pior do que você pensa”.)
Nogueira voltou ao tema dos fanáticos patrólatras, Ataulfo e Freire com “ï”:
COMO FUNCIONA O CONSELHO EDITORIAL DAS ORGANIZAÇÕES GLOBO
TINHA OUVIDO FALAR POUCO DE ALI KAMEL, CHEFE DE TELEJORNALISMO DA GLOBO, ATÉ CONHECÊ-LO NO CONEDIT. É o conselho editorial das Organizações Globo.
Por Paulo Nogueira, no Diario do Centro do Mundo.
Sob o comando de João Roberto Marinho, o Conedit reúne os editores das diversas mídias da Globo para alinhar ações e debater assuntos. As reuniões são realizadas às terças, por volta das 11 horas, no prédio da Globo no Jardim Botânico, no Rio. Frequentei-as ao longo dos dois anos e meio em que fui diretor editorial das revistas da Globo. Quando cheguei, Kamel já estava lá, e ali permaneceu depois que saí.
A referência mais longa que eu tivera dele veio de um jornalista da Abril que o procurara em busca de emprego. A operação deu certo. O jornalista me contou que lera que Kamel valorizava gente que tivesse passado por revistas, por ser mais apta a mexer com palavras. O próprio Kamel passara pela Veja no Rio antes de se fixar nas Organizações Globo.
Kamel não confirma o folclore do carioca simpático, ao contrário de outros editores com quem convivi naquelas manhãs de terça. Seu chefe, Carlos Schroder, um gaúcho afável e sempre com um sorriso no rosto, parece mais carioca que ele.
De um modo geral, o ambiente no Conedit reflete o humor, a alegria, a capacidade de rir dos cariocas. (E também a falta de pontualidade.) Mesmo Merval Pereira, colunista de várias mídias da Globo e ex-diretor do jornal, ri com frequência – uma surpresa para quem lê seus textos em geral num tom de elevada preocupação, quase sempre ligada a um pseudopecado mortal de Lula.
Kamel, pela importância da TV, é uma presença destacada no Conedit. Sua expressão solene sublinha esse papel. Não sei se Kamel costuma beber no bar com os amigos para falar bobagens como futebol, mas não me pareceu.
O que inicialmente mais me chamou a atenção em Kamel, e em muitos outros ali, foi a obsessão com São Paulo. “Os jornais de São Paulo” são constantemente citados, como se representassem o mal. Não sou exatamente um admirador nem do Estadão e muito menos da Folha, mas achava engraçada a presença dos “jornais de São Paulo” nos debates. Nós, jornalistas de São Paulo, jamais nos referimos aos “jornais do Rio”.
Não é exatamente confortável ser um paulista naquele plenário, logo entendi. Eu me sentava num canto próximo da porta, por razões de conforto. “Este é o canto dos paulistas”, ouvi, em tom de brincadeira, uma vez, de Luiz Erlanger, uma espécie de RP do alto escalão das Organizações.
Havia uma alta rotatividade naquele canto. O ambiente é carioca, para o bem e para o mal. E o ressentimento pelo tamanho que São Paulo tomou no Brasil acaba repercutindo, de uma forma ou de outra, em paulistas que participem do Conedit.
Ali Kamel não facilita a vida de ninguém, logo vi. Não é hospitaleiro. Lembro o dia em que Kamel foi apresentado ao jornalista Adriano Silva, na sede da Globo no Rio de Janeiro. Adriano estava sendo contratado com a missão de chacoalhar o Fantástico.
Adriano fizera isso na Superinteressante. Daí o interesse da Globo. Quem negociou com Adriano foi Carlos Schroder, então diretor de telejornalismo da Globo e hoje seu diretor-geral. Eu estava com ambos no prédio do Jardim Botânico quando Ali se aproximou.
Não deu um sorriso para Adriano. Seco, quase ríspido, colocou a Superinteressante na conversa — afirmou que a enteada a lia — para comentar supostos erros da revista. Ficou claro naquele momento que a vida de Adriano perto de Kamel não seria fácil. Não foi.
Adriano logo foi tocar sua vida longe da Globo, e o Fantástico continuaria a padecer dos problemas que levaram a Globo a procurá-lo — desinspiração editorial, perda de repercussão e um Ibope brutalmente em queda para um programa que se confundira com a noite de domingo dos brasileiros por muitos anos.
O caso do Fantástico me faria lembrar um comentário que certa vez ouvi, segundo o qual a força criativa da Globo repousava em Boni, “um fanático guardião da qualidade”. Achei isso podia fazer sentido ao ler que, numa corrida em que Galvão Bueno gritou triunfal “eu já sabia, eu já sabia!” quando Senna entregou a vitória ao segundo piloto de sua equipe, Boni teve uma reação irada no bastidor. “Se sabia, por que não contou para o espectador?”, perguntou a Galvão.
No Conedit, numa mesa em forma de U, João Roberto se senta no centro, na reunião. À sua esquerda, numa das laterais, fica Merval. Na esquerda, na outra lateral, Kamel. Há uma tensão muda entre os dois, uma espécie de duelo pela preferência e pela simpatia do chefe. São os que mais falam lá.
Não daria o prêmio de simpatia a Kamel. E nem o de originalidade. Logo percebi que ele expressava com ênfase, com a fé cega de um jihadista, amplificando-as, as conhecidas ideias das Organizações Globo.
Não havia desafio a essas ideias, não havia uma tentativa de reolhá-las e reavaliá-las. Bolsa Família? Assistencialismo. Ponto. Cotas em universidades? Absurdo, Ponto.
Um dia comentei isso com Luiz Eduardo Vasconcellos, sobrinho de Roberto Marinho e acionista das Organizações. Luiz teve cargos executivos durante muitos anos, mas depois se recolheu às funções de acionista minoritário.
É simpático, interessado nas coisas do mundo, simples no traje e no trato, como aliás os primos. Você não diz que ele é um dos donos da Globo se se sentar numa reunião do Conedit sem conhecê-lo.
“Sinto falta de pensamentos alternativos na reunião”, comentei com ele num almoço depois da reunião do Conedit. “A sensação que tenho é que as pessoas, principalmente o Kamel e o Merval, falam apenas as coisas que imaginam que o João vai gostar de ouvir.”
Quanto isso devia estar me incomodando estava claro em meu ataque de sinceridade no almoço. Era evidente o risco de que meu comentário fosse espalhado, ainda que Luiz Eduardo sempre tenha me parecido discreto e reservado.
Nas eleições de 2006, meu diagnóstico do Conedit pareceu se confirmar para mim. João Roberto tinha um tom sereno ao debater a campanha. Vi João criticar várias vezes ações de militantes petistas, mas jamais o vi sair do tom no Conedit.
Curiosamente, dada sua posição de dono, o ambiente muitas vezes não refletia a tranquilidade de João Roberto. Kamel e Merval davam um tom épico, em branco e preto, a muitas discussões políticas. Pareciam odiar Lula e qualquer coisa que partisse do governo petista. E pareciam também querer que João Roberto soubesse disso.
Se o julgamento deles fosse acertado, Lula teria errado em todas as decisões que tomou em seus oito anos de administração. Quanto aquela inflamação toda era genuína ou não, é uma dúvida que carrego até hoje. Será que eles pensam mesmo aquilo, ou no bar, com os amigos, dão uma relaxada?
Não sei.
Minha intuição é que, como o poeta segundo Fernando Pessoa, o fingimento é tanto que uma hora você acredita no que fingia antes acreditar. A alternativa é um sentimento automassacrante de que você é uma pena de aluguel.
Há uma lenda urbana segundo a qual Kamel seria o homem por trás da ideologia das Organizações Globo, o “Ratzinger” da empresa. Kamel não é nenhum Hayek, ou Friedman. Não é formulador de pensamentos, não é um filósofo, não é carismático, não é nada daquilo que confere a alguém o poder de persuadir outras pessoas pelo vigor não dos gritos mas das ideias.
Uma designação provavelmente mais próxima da realidade é que Kamel comanda os “aloprados” da Globo. Relembremos. Num determinado momento da campanha de 2006, veio à cena, na mídia, a expressão “aloprados”, para designar petistas mais apaixonados. A certa altura, Lula disse a João Roberto Marinho que seguraria os “seus aloprados”, mas que queria que os “aloprados do outro lado” também fossem controlados.
Foram? Basta ouvir um comentário de Jabor ou um artigo de Merval para saber que não. A cobertura em 2010 do atentado da bolinha de papel contra Serra, ou mais recentemente a forma como foi tratado o julgamento do Mensalão, mostra que os aloprados estão de mãos livres na Globo.
Uma possibilidade que deve ser considerada é que aloprados não sejam exatamente alguns comentaristas ou colunistas, ou mesmo diretores da área jornalística – mas a própria Globo, em sua alma e em sua essência.
*
Navalha
Navalha
O ansioso blogueiro tem uma informação a acrescentar à História da Globo Overseas e seus trombones.
Quando Evandro Carlos de Andrade deixou o jornal O Globo e foi para a tevê Globo – onde produziu duas únicas históricas contribuições ao meio televisivo, levar a Urubóloga e o Jabor para o vídeo – deixou o Ataulfo como sucessor no jornal.
E levou o Freire com “i” para a Globo Overseas, outra sábia decisão que a História da Televisão Mundial registrará com destaque.
O Ataulfo botou as asinhas de fora.
E começou a querer retocar a Grande Obra de Evandro (que, em 30 anos de jornal, não revelou um único repórter nem publicou uma única reportagem relevante).
Evandro, que gozava da irrestrita confiança dos filhos do Dr Roberto – eles não têm nome próprio – , mas não do Dr Roberto, fuzilou o Ataulfo.
Que, por isso, não teve cargo de comando na tevê.
No leito de morte, Evandro disse à família que seu sucessor na tevê era o Carlos Schroeder, hoje CEO da empresa.
A colona de Ataulfo no Globo, portanto, foi “um prêmio de consolação”.
Mas, provavelmente, segundo o relato de Nogueira, a cada reunião do Conselho Editorial, ele deve tentar re-escrever o legado funesto do Evandro.
O Gilberto Freire com “i” segue uma linha de diretores de jornalismo da tevê Globo que não entendem nada de televisão.
O último a ocupar aquele cargo e que entendia de televisão foi o Armando Nogueira.
Os sucessores vieram da imprensa escrita e de lá nunca saíram.
Percebe-se.
O jornal nacional é o programa de rádio mais chic do mundo.
Não é por acaso que a audiência se aproxima inexoravelmente para a casa dos 10.
Alberico Souza Cruz, Evandro e Gilberto Freire com ï” trouxeram da imprensa escrita e do Globo, o jornal, apenas, os editoriais.
E a vocação para o Golpe.
Sempre a favor do Patrão.
Em tempo: o ultimo texto assinado por Evandro, pouco antes de morrer, foi um perfil do Dr Roberto para a revista Exame. Faz dele uma cruza de Jesus Cristo com Arnold Schwarzenegger.
Paulo Henrique Amorim
(*) Ataulfo de Paiva foi o mais medíocre – até certa altura – dos membros da Academia. A tal ponto que seu sucessor, o romancista José Lins do Rego quebrou a tradição e espinafrou o antecessor, no discurso de posse. Daí, Merval merecer aqui o epíteto honroso de “Ataulfo Merval de Paiva”, por seus notórios méritos jornalísticos, estilísticos, e acadêmicos, em suma. Registre-se, em sua homenagem, que os filhos de Roberto Marinho perceberam isso e não o fizeram diretor de redação nem do Globo nem da TV Globo. Ofereceram-lhe à Academia. E ao Mino Carta, já que Merval é, provavelmente, o personagem principal de seu romance “O Brasil”.
(**) Ali Kamel, o mais poderoso diretor de jornalismo da história da Globo (o ansioso blogueiro trabalhou com os outros três), deu-se de antropólogo e sociólogo com o livro “Não somos racistas”, onde propõe que o Brasil não tem maioria negra. Por isso, aqui, é conhecido como o Gilberto Freire com ï”. Conta-se que, um dia, D. Madalena, em Apipucos, admoestou o Mestre: Gilberto, essa carta está há muito tempo em cima da tua mesa e você não abre. Não é para mim, Madalena, respondeu o Mestre, carinhosamente. É para um Gilberto Freire com “i”.
Por: Miguel do Rosário

Oliver Stone: No esforço para reescrever a história, Vietnã agora é símbolo de heroísmo



“Nós usamos armas químicas no Vietnã”

Entrevista com Oliver Stone e Peter Kuznick, reproduzida no Counterpunch

Por Satoko Oka Norimatsu e Narusawa Muneo

tradução de Heloisa Villela

O semanário japonês Shukan Kinyobi e o Asia-Pacific Journal: Japan Focus entrevistaram conjuntamente Oliver Stone e Peter Kuznick, coautores de The Untold History of the United States (A história dos Estados Unidos que não foi contada), um documentário dividido em dez episódios (transmitido pela Showtime Network, 2012-2013) e acompanhado de um livro com o mesmo título (Simon and Schuster, 2012), no dia 11 de agosto, em Tóquio.
Era o oitavo dia daa turnê de 12 dias pelo Japão, logo depois de visitarem Hiroshima e Nagasaki, para participar do 68º aniversário do bombardeio atômico nos dias 6 e 9 de agosto, respectivamente, e antes da visita a Okinawa, para testemunhar a realidade da ocupação militar que continua, com a base norte-americana, e a resistência a ela.
Stone e Kuznick, descontraídos com alguns drinks no fim da tarde, entre dois importantes eventos públicos em Hibiya, Tóquio, conversaram sobre a importância de se ensinar e aprender história, sobre “a ameaça à civilização” como “arma da verdade” para o povo, para se defender do poder do império norte-americano, cuja imagem foi moldada na contínua distorção da história e na glorificação de guerras passadas.
Isso também se aplica ao Japão e à negação do governo dos Estados Unidos a respeito das agressões em suas guerras passadas. A entrevista versa livremente sobre os cinco anos de colaboração entre eles noUntold History.
Na comemoração dos 50 anos da Guerra do Vietnã, em 2012, Oblama refletiu sobre a guerra “com reverência solene a respeito do valor da geração que serviu com honra”, e deu início a um programa de 13 anos para “prestar homenagem aos homens e mulheres que responderam ao chamado do dever com coragem e heroísmo”. Por que as experiências da Guerra do Vietnã estão sendo glorificadas agora? A guerra não teve resultados desastrosos, como você argumenta no livro?
Stone: Houve, com certeza, um sopro para a direita tanto nos Estados Unidos como, agora, no Japão. A guinada para a direita começou com Reagan, apesar de algumas pessoas argumentarem que começou com o Nixon, e com Johnson, depois da morte do Kennedy – você  pode dizer isso.
Mas a guinada para a direita se acelerou sob o Reagan, e Reagan foi o mais agressivo na redefinição da Guerra do Vietnã  como, não uma desgraça, mas algo para se orgulhar. Ele chamou o negativismo com relação à guerra de “Síndrome do Vietnã”, que era bastante forte considerando-se que apenas dez anos antes tínhamos saído do Vietnã e estávamos realmente perdidos.
Acho que Reagan acreditava que ele podia reconstruir a sociedade norte-americana dando a ela poder econômico e propósito histórico, como Abe está tentando fazer no Japão. Você reescreve a história, e você redefine a economia.
Reagan começou com isso e George H.W. Bush fez ainda melhor. Foi ele que sofreu com o “fator wimp [fracote]”, mas depois da invasão do Kuwait em 1991 anunciou que “o espectro do Vietnã foi enterrado para sempre sob as areias do deserto da Península Arábica”, e depois isso foi reforçado pelo Clinton.
Essa agora é a tradição. O Obama recentemente deu uma declaração no aniversário de 60 anos do armistício da Guerra da Coréia para dizer que “a guerra não terminou em empate. A Coréia foi uma vitória”. Ele elogiou os militares norte-americanos de forma extravagante.
Então, esse é um tipo de síndrome diferente nos Estados Unidos. Não importa o que a história diga, os militares são reverenciados. Se você analisar as declarações do Obama no aniversário de 50 anos na Guerra do Vietnã, ele não fala realmente da guerra quando diz: “Nós refletimos com solene reverência sobre o heroísmo de uma geração que serviu com honra”.
Você não pode nunca questionar o heroísmo dos seus soldados. A maior parte dos veteranos que serviu na guerra quer se sentir como se tivesse servido com honra, mesmo que fosse uma causa perdida ou uma causa ruim.
Por outro lado, por trás disso existe uma revisão da história na qual ele está basicamente dizendo que a guerra no Vietnã foi uma causa nobre. Eu acho que foi uma causa perdida, uma causa ruim. A batalha do futuro é a história. História, memória da história e a memória correta da história é são o equilíbrio de nossa civilização.
Sei disso  no meu coração: você pensa nisso, na sua própria vida, vidas anteriores, minha vida, sua vida, o que temos?
Aonde estamos agora? Nós todos temos uma história. Temos amores, ódios, casos – atravessamos a vida e cada um de nós tem algo a dizer sobre a história.
Aqueles que se lembram da história e têm uma compreensão maior sobre si mesmos se saem melhor na vida, de uma forma geral.
Eles são capazes de se avaliar enquanto amadurecem, podem mudar como eu mudei, eles evoluem, se a evolução vem do fato de saber quem você é. Então, o próprio conceito de negar seu próprio passado é mentir no nível mais elevado. Vai direto ao âmago de cada indivíduo e ao âmago de uma nação.
Kuznick: A síndrome do Vietnã é muito importante. O ataque à síndrome do Vietnã começou assim que a guerra acabou.
Durante seu governo, Gerald Ford disse, “temos de parar de olhar para o passado, temos de olhar para o futuro”. Isso foi uma semana antes da queda de Saigon, no dia 30 de abril de 1975, o fim da Guerra do Vietnã.
O processo começou deste ponto, para esquecer o Vietnã, para apaga-lo da história – as causas e as consequências do Vietnã.
Em 1980 a revista predileta dos neocons, Commentary, editada por Norman Podhoretz, dedicou uma edição completa à síndrome do Vietnã. Os conservadores entenderam, naquele momento, que a não ser que pudessem mudar a percepção do povo norte-americano a respeito da Guerra do Vietnã, eles não poderiam mais intervir quando bem entendessem em outro países e não poderiam expandir o que veio a ser o Império Americano.
Por isso eles fizeram um esforço deliberado para mudar a narrativa sobre a Guerra do Vietnã, porque o Vietnã havia se tornado um pesadelo para os norte-americanos naquele momento. Algumas pessoas consideraram isso um erro, mas muitos de nós entendemos que era um exemplo extremo e horroroso da política intervencionista norte-americana que estava sendo implantada no mundo por décadas.
A direita fez um esforço sistemático para limpar a história porque ela sabia que era essencial para construir o tipo de império que ela queria atingir e, como diz o Oliver, o Reagan perseguiu esse objetivo mais agressivamente.
Mas também vimos exemplos com o Carter. O Carter começou sua administração como progressista, mas no fim ele já tinha migrado para a direita e estava falando da nobreza da luta no Vietnã.
O Reagan abraçou a causa diretamente, como o Clinton também, que em seus tempos de estudante se opôs ativamente à guerra. Se você for ler o que ele diz, foi o mesmo que o Ford, o Reagan e todos os outros: a nobreza da causa – as tropas norte-americanas eram ótimas, simplesmente porque lutaram e morreram, e você tem que balançar a bandeira para as tropas norte-americanas.
Isso também foi essencial para os neocons defensores do “novo século americano”.
Pessoas por trás de George W. Bush novamente reescreveram a história do Vietnã. A confusão conservadora tem sido deliberada e sistemática. Até mesmo nos nomes. Nos Estados Unidos, nós nos referimos à “Guerra no Vietnã”. Nós falamos sobre “a invasão soviética do Afeganistão”, mas não falamos sobre a “invasão norte-americana do Vietnã”.
Mas foi isso – uma invasão sangrenta que começou lentamente e cresceu ao longo dos anos, na qual os Estados Unidos usaram todo tipo de arma letal, com exceção da bomba atômica. Nós tínhamos zonas de tiro livres nas quais podíamos atirar e matar em qualquer coisa que se movesse.
Foi uma guerra de atrocidades. As pessoas dizem que o massacre de My Lai foi uma atrocidade, mas o consideram uma aberração. Mas se você estudar a história de verdade, ler o novo livro do Nick Turse, ou assistir os filmes de Oliver, vai ver que o Vietnã foi uma série de atrocidades.
É por isso que os vietnamitas ficam surpresos com o foco dos americanos em My Lai. Eles sabem que May Lais, em escalas menores, estavam acontecendo em todo o país com uma regularidade chocante.
O Memorial do Vietnã em Washington, DC, é  forte e emocionante. Ele tem os nomes de todos os 58.286 americanos mortos na guerra. A mensagem é que a tragédia no Vietnã  foi o fato de que 58.286 americanos morreram. Isso é realmente trágico.
Robert McNamara (secretário da Defesa de 1961 a 1968) veio na minha sala de aula e disse que aceitava o fato de que 3,8 milkões de vietnamitas morreram. O memorial não tem os nomes dos 3,8 milhões de vietnamitas ou as centenas de milhares de laosianos, cambojanos e outros.
O memorial da guerra em Okinawa conta uma outra história.  Ele tem os nomes de todos, japoneses, norte-americanos e todos os que morreram na Batalha de Okinawa, e isso é uma declaração real a respeito dos horrores da guerra.
O Memorial do Vietnã, não. Se a parede de 250 pés de comprimento do memorial do Vietnã tivesse todos os nomes de vietnamitas, laosianos e cambojanos, sabe qual seria o tamanho dela? Mais de seis quilômetros! Que declaração seria isso!
Mas agora existe uma campanha para esquecer. E o Obama participou dela quando deu as boas vindas às tropas que voltaram do Iraque. Obama é a voz do império, e um império requer esquecer, purgar, limpar o passado sobre o Vietnã, Iraque, Kuwait, El Salvador e até mesmo sobre a Segunda Guerra Mundial.
Nenhuma dessas histórias foi contada honesta e verdadeiramente nos Estados Unidos e por isso é tão importante lutar pela interpretação correta da história; de outro modo os líderes dos Estados Unidos vão repetir os crimes e atrocidades e escapar sem problemas, como fizeram no passado.

Vítimas do agente laranja no Vietnã (foto James Nachtwey)
Por mais de dez anos, desde o nascimento do século XXI, os Estados Unidos estão engajados na chamada “Guerra contra o Terror”. Parece que a avaliação norte-americana a respeito da guerra é ambígua, mas qual é a dimensão da sensação de fracasso lá? No fim nada mudou? Afinal sobre o que era essa guerra?
Kuznick: A “Guerra contra o Terror” é um absurdo desde o começo. Faz parte dessa experiência da Alice no País das Maravilhas olhar pelo vidro e ver o mundo de cabeça para baixo; você está em um mundo de absurdos.
Depois do 11 de setembro de 2001 os Estados unidos entraram em um mundo no qual os inimigos foram transformados nestas forças terrivelmente poderosas. O 11 de setembro foi um vacilo colossal do governo Bush.
O agente do FBI de Mineápolis, Coleen Rowley, estava tentando alertar o governo Bush de que havia pessoas aprendendo a pilotar aviões, que tinham interesse em aprender como pousar.
Houve vários alertas de que o Osama bin Laden e a Al Qaeda estavam planejando atacar os Estados Unidos. Oficiais do serviço de espionagem sabiam que um ataque era iminente e tentaram desesperadamente alertar Bush.
George Tenet, chefe da CIA, estava correndo por todo lado em Washington com o cabelo em chamas, tentando fazer com que alguém o ouvisse – Condoleezza Rice, Donald Rumsfeld, George Bush, Dick Cheney – e todos mandaram ele sumir.
Tinham assuntos mais importantes para resolver. Então antes de mais nada o 11 de setembro foi um fracasso completo do governo Bush, parte do serviço de inteligência, mas acima de tudo da liderança, e ao invés de olhar para esse problema como ele é – uma operação bem pensada e bem executada, um crime contra o povo norte-americano cometido por um grupo vil que precisava ser julgado pela justiça – eles transformaram isso em uma Guerra contra o Terror global e perseguiram a agenda neocon que prejudicou mais os Estados unidos do que a Al Qaeda poderia ter prejudicado em mil anos.
Zbigniew Brzezinski, cujo trabalho como anti-soviético Diretor de Segurança Nacional do governo Carter nós criticamos muito, definiu muito bem desde o começo. Ele disse que você não pode travar uma guerra contra uma tática. Quem é o verdadeiro inimigo?
O Bush disse que eles nos odiavam por causa da nossa liberdade. Que declaração mentirosa e absurda! “Eles nos odeiam por causa da nossa liberdade”! Os líderes dos Estados Unidos sabiam que havia problemas reais.
Nós não concordamos com os extremistas islâmicos nem aprovamos as táticas deles, mas havia problemas com a política norte-americana para Israel, a repressão aos palestinos e a presença de tropas americanas na Arábia Saudita, a terra sagrada deles.
Esses eram problemas reais. Não existe justificativa para o que eles fizeram. Foi um de uma série de ataques terroristas – o USS Cole, a bomba em Riad, os bombardeios na África – isso vinha acontecendo fazia tempo.
Mas Bush e Cheney decidiram usar o momento e o relatório do ano 2000. O Project for the New American Century dizia que ía levar um bom tempo para os Estados Unidos remilitarizarem e aumentarem os gastos com defesa da maneira que eles queriam a não ser que houvesse um “novo Pearl Harbor”.
Os Estados Unidos ganharam um novo Pearl Harbor, e eles cinicamente exploraram isso alimentando o medo dos norte-americanos de que eles estavam vivendo em um mundo tão hostil e perigoso, cercado de inimigos com capacidades assustadoras.
Essa mentalidade continuou e foi adotada pelo Obama. Bush, Cheney e Obama levaram isso tão longe a ponto de termos um estado de vigilância que foi exposto pelo Edward Snowden.
Apesar da guerra não beneficiar ninguém, o governo norte-americano parece não ter mudado sua política de guerra ou ter reduzido fundamentalmente os gastos com defesa, que consomem quase 40% do orçamento federal. A guerra é um programa inevitável para os Estados Unidos? Ele continua fazendo guerra por causa dos que lucram com ela dentro do governo?
Stone: Acho que é uma boa pergunta. Eu me lembro de quando era um garoto, aluno de história. A gente sempre ouve falar da guerra de 1812, a guerra revolucionária, depois você ouve falar da guerra contra os índios Creek, se pode considerá-la uma guerra, foi uma guerra contínua – existem batalhas contra os indígenas o tempo todo.
A Guerra Civil, a Guerra do México e depois o período da reconstrução sem guerras estrangeiras, até a guerra Hispano-Americana de 1898. Foi um longo período.
Então, os Estados Unidos tiveram uma história de guerra relativamente austera, mas certamente agressiva. Nós invadimos o Canadá em 1812 e fomos expulsos pelos britânicos novamente.
Quando chegamos à Primeira Guerra Mundial, éramos verdadeiros novatos em matéria de guerra. Eu acho que a Guerra civil foi extremamente sangrenta, mas a Primeira Guerra mundial foi um novo século, e os Estados Unidos mudaram.
Muitos norte-americanos recuaram depois da Primeira Guerra e eu acho que isso foi em parte o motivo de termos demorado tanto a entrar na Segunda Guerra Mundial.
Foi um sentimento muito forte de que estávamos sendo arrastados pelos impérios britânico e francês para a Primeira Guerra. Para não mencionar o papel desempenhado pelo banco Morgan. As pessoas estavam realmente furiosas nos anos 30, e com razão.
Nós não descartamos, mas a história americana não leva em conta o Comitê Nye, os interrogatórios dirigidos pelo senador Gerald Nye, de Dakota do Norte, a respeito dos lucros auferidos durante a Primeira Guerra Mundial.
Eu acho isso fascinante. Eu li alguns desses interrogatórios e fiquei revoltado porque, apesar de tudo que o Nye e outros críticos disseram ser verdade, nós tiramos as conclusões erradas e quando realmente era importante, na Espanha, que nós enfrentássemos o fascismo, nós não o fizemos.
É irônico como a história funciona. (Ele se vira para o Peter) Você quer continuar?

Os banqueiros da Brown Brothers Harriman, na Economist
Kuznick: Com certeza. Nós estamos tão focados em Hiroshima e Nagasaki nessa viagem, e nos temas relacionados aos Estados Unidos e Japão, que não tivemos oportunidade de falar sobre esses outros temas. Vamos falar de guerra agora. Vamos falar sobre o que é a guerra.
Smedley Butler, um almirante muito condecorado, disse que “a guerra é um mercado negro”.
Ele disse ser “um segurança de alta classe para os grandes negócios, para Wall Street, para os bancos… um gângster do capitalismo”.
Ele começou nas Filipinas e depois seguiu por todos os países nos quais liderou intervenções. Ele disse ser um laranja para os Brown Brothers Harriman.
O exército era o braço dos banqueiros e industriais porque traçarmos a história do império norte-americano desde os anos 1890 veremos que foi a depressão de 1893, nos Estados Unidos, que de certa forma marcou o começo.
Depois de 1893, os líderes dos Estados Unidos tinham duas saídas: distribuir a riqueza para que houvesse um número suficiente de consumidores para comprar os produtos americanos e promover a recuperação e sair da depressão, ou expandir além das fronteiras em busca de recursos, mão de obra barata e novos mercados.
O que os Estados Unidos fizeram? Se expandiram no exterior.
Stone: Eu fico curioso com isso. Quando Henry Wallace se tornou secretário da Agricultura, durante a depressão, ele adotou uma política de recuperação através da escassez. O que ele fez? Ele matou muitos porcos e cortou a produção de algodão.
Kuznick: Isso foi uma medida temporária. Ele odiava isso. Recuperação através da escassez vai contra os princípios mais básicos dos norte-americanos.
Uma abordagem semelhante ficou evidente na Lei de Recuperação da Indústria Natural. O que eles estavam tentando fazer era reduzir o superávit no mercado para aumentar os preços. Eles mataram os porcos, mas distribuíram ao povo norte-americano, assim ao menos Wallace alimentava os famintos em escala sem precedentes.
 Stone: Então, os Estados Unidos pagaram os fazendeiros para que não plantassem. É uma loucura.
Kuznick: É louco e Wallace disse isso na época
Stone: Mas tem uma coisa que eu quero dizer, e é um ponto importante. Wallace entendeu um ponto importante no mundo – comida. Se as pessoas plantam comida para o mundo, haverá paz. E acho que isso é muito verdadeiro, e tão básico porque quando você analisa a história do mundo, a escassez de comida produziu tantas guerras.
Eu não posso acredita no que ouvi no Japão nas últimas semanas. As pessoas falando de fome durante a guerra. Wallace endendeu que era realmente necessário produzir comida suficiente para alimentar todo mundo para que as pessoas não fossem à guerra por comida e recursos.
Kuznick: Por décadas, o milho híbrido do Wallace alimentou o mundo.
Stone: Um dos movimentos da história que o Peter me apontou foi que em 1940 Franklin Roosevelt escreveu uma carta ao Partido Democrata que dizia: “O Partido Democrata não pode olhar em duas direções ao mesmo tempo… ou vocês são a favor de Wall Street (dinheiro e lucro) ou são a favor das pessoas”.
Roosevelt deixou claro que o candidato dele era Henry Wallace e ele não concorreria a um terceiro mandato a não ser que Wallace fosse indicado. Foi uma carta poderosa, que o Partido Democrata deve reler a cada quatro anos e acordar, porque eles perderam essa visão.
Kuznick: Eu dei essa carta ao Ralph Nader e ele a citou em seu livro. Em retrospecto, pode ter sido um erro. Como o Oliver disse, o Partido Democrata perdeu seu rumo e está tropeçando no legado de Roosevelt e Wallace, na pós-crise dos mísseis em Cuba, do John Kennedy.
Agora [o Partido Democrata] defende a vigilância, defende a triplicação do número de soldados no Afeganistão, defende rebocar os banqueiros. Nós gostaríamos de pensar que os democratas são progressistas, mas com os Clinton e Obama, eles se tornaram administradores mais eficientes do império norte-americano.
Eles não questionam o império. Os republicanos são rudes. Os republicanos tentam impor o império à força. O Obama é mais inteligente. Ele sabe que pode impor o império através da enganação.
Ele descobriu a maneira de institucionalizar as políticas do Bush e torna-las características permanentes da vida norte-americana. É por isso que o porta-voz do Bush, Ari Fleischer, disse recentemente que nós estamos vivendo no quarto mandato do Bush. Isso não é verdade em certos aspectos da política doméstica, mas infelizmente é muito próximo da verdade na política externa. E em alguns aspectos, Obama é ainda pior do que o Bush.
Stone: Eu acredito em evolução. Eu entendo porque um país comete erros. Eu rezo para o meu país todas as manhãs nas minhas meditações. Eu levo pelo menos meia hora meditando. Eu rezo pelo meu país e pelo mundo. Gostaria que as pessoas pudessem aprender a ser mais doces. Mais delicadas.

O império americano não parece ter poderes eternos, principalmente por causa de suas dificuldades financeiras. Mas se você analisa a recente subserviência da União Europeia ao lidar com o caso do Edward Snowden, os Estados Unidos ainda parecem ter muito poder e controle. Para onde você acha que vai o império?
Stone: Essa é a razão pela qual estou por aqui, porque essa é uma boa história. Existe tensão. Não sabemos qual será o resultado. Ninguém nessa sala sabe, nem o Obama sabe. Esse é o  jogo.
Todo dia nós usamos toda nossa sensibilidade política e enviamos diplomatas ao exterior e nosso exército. Como continuamos sendo quem somos? É nisso que eles pensam. Ou como pensamos no futuro? Como eles fazem planos para isso?
Voce se dá conta que todos os dias acordamos neste Godzilla, nesta besta gigantesca mundial? Como vivemos com o monstro? Todos os dias temos milhões de homens trabalhando nas forças armadas, no complexo nacional de segurança, em toda parte do mundo.
Nós somos um império móvel massivo, maior do que qualquer coisa que qualquer pessoa já tenha sonhado. Esse é um lado da história. E o outro lado é a percepção errônea de que se não crescermos hoje, se não comermos mais, o que vai acontecer conosco?
O apetite do império é insaciável. É preciso responder a essa insegurança. É como se fosse um dragão dizendo, “o que vou comer hoje”? Você entende como isso pode ser ruim? Então, para o dragão dizer “eu não preciso comer tantos ovos, leões e árvores hoje. Posso sobreviver com menos”.
Essa é a tensão dos nossos tempos. É por isso que todas as pessoas como os hibakush e os ativistas pela paz estão trazendo força moral para o universo – budistas, católicos por todo o mundo. Existe uma energia enorme emergindo.
Acredite, eu posso sentí-la. Existe uma batalha enorme, como diz o Peter, entre o dragão armado e nós, que temos apenas a verdade como nossa arma, e acho que esse é o grande tema atual. E é por isso que ainda estou por aqui, caso contrário acho que morreria. Se os bandidos ganharem, não quero estar por perto.
Kuznick: O perigo advém da existência de um império com poderio militar ilimitado e uma visão moral bastante limitada, com controle econômico cada vez menor. Isso cria a situação mais perigosa de todas.
Impérios em queda puxam todos para baixo com ele. Países também podem fazer isso. Se Israel se sentir existencialmente ameaçado, é quase certo que usará suas armas nucleares. Os Estados Unidos perderam a autoridade moral e a visão filosófica e as gerações mais jovens estão perdendo a esperança num futuro melhor.
Stone: É toda essa garotada que aplaudiu a morte de Osama bin Laden. A maioria dos americanos achava que tudo estava indo bem. Aliás, uma pesquisa mostrou que 51% dos americanos na faixa dos 18 aos 29 anos acham que a Guerra do Vietnã foi uma boa guerra.
Kuznick: Porém, se você analisar as pesquisas sobre abolir as armas nucleares, esta mesma faixa etária é a favor. Então, o que estou dizendo é que eles estão confusos. Eles não têm uma compreensão clara da história.
A posição em que os Estados Unidos estão, armados até os dentes, capazes de destruir o mundo, mas perdendo poder, influência e autoridade moral. Nós a perdemos no 11 de setembro, nossa resposta com Abu Ghraib, com Guantánamo, a tortura, a Lei Patriota, vigilância massiva, as políticas belicistas de George Bush…
E vemos o que estão prontos para fazer na Ásia. Nós estamos militarizando o Pacífico para conter a China. Mas os Estados Unidos estão se tornando relativamente mais fracos, enquanto a China e outros países estão crescendo bem mais rápido.
A China gasta três vezes mais em infraestrutura do que os Estados Unidos. Em 2011, o PIB per capita da China foi apenas 9% do americano, mas foi o dobro do que era quatro anos antes.
Uma parte tão grande da nossa economia agora está baseada em finanças, na especulação. Os Estados Unidos não produzem como produziam antes. Nós estamos perdendo poder neste momento crucial no qual a China está crescendo, a Índia está crescendo e talvez o Japão esteja encontrando seu equilíbrio novamente.
Stone: Este é o mesmo argumento de quando a Grã-Bretanha estava perdendo poder porque a Alemanha estava ganhando em 1914, mas não subestime a Grã-Bretanha.
Nós somos o Império Romano. Eu me interesso pelo Império Romano porque ele não sucumbiu. O cristianismo foi imposto por Constantinopla, e de uma hora para outra o império se estendeu por quatrocentos, quinhentos anos.
Ele destruiu Jesus ali por 33 DC, Jerusalém em 70 DC. Ele tomou Roma 230 anos para abraçar o cristianismo. Pense nisso, nós podemos muito bem seguir o exemplo de Roma, abraçar alguma variação desta religião e encontrar nossa saída.

Obama preside um estado policial
Kuznick: Justamente. Ainda temos esperança. Muitos americanos odeiam o caminho que o país está segundo e querem um futuro diferente. Obama representava isso na mente dos norte-americanos e especialmente nas mentes dos jovens durante a primeira campanha. É por isso que, em parte, tenho tanta raiva dele, porque pegou os sonhos das novas gerações que acreditavam nele e os destruiu.
Stone: Império. Lembre-se, nenhum império dura para sempre. O Peter diz que o império nos Estados Unidos pode negar a história e superá-la, e falamos de Guerra nas Estrelas na nossa série –  como isso pode ser cruel, destruir o que está contra você  do espaço.
Nós nos tornaremos uma tirania. A pergunta é: a tirania pode durar?
Kuznick: E eu estou dizendo que não – não como tirania
Stone: A Alemanha durou… em 1941 ninguém podia parar a Alemanha, que grande momento para Hitler, até que, em 1943, ele começou a correr. Então, nenhum império dura para sempre. Isso é tudo que eu posso te dizer, mas o Império Romano desafiou a lógica durando mais porque você podia estar no Império Romano em 800 DC e ter um vestígio de civilização na Grécia e em outros lugares.
Kuznick: Mas o nosso objetivo é mudar a rota dos Estados Unidos, mudar antes que o país se torne uma tirania absoluta. Os Estados Unidos fazem coisas terríveis, mas existem outras coisas acontecendo por lá também.
Nós ainda temos a liberdade de fazer o tipo de documentário que fizemos e escrever os livros que escrevemos. Não minimize a importância que isso tem. As pessoas não são totalmente reprimidas nos Estados Unidos apesar de estarem nos monitorando e serem fisicamente capazes de nos reprimir.
Existe muitas pessoas, inclusive no poder e nas forças armadas, que desafiam a noção de que os Estados Unidos devam se tornar uma tirania, um estão de segurança nacional total, o pior tipo de ditadura.
Nós não sabemos para que lado os Estados Unidos irão. Meu medo é de que ao invés de afundar, nós arrastemos o resto do mundo conosco, mas é isso que estamos tentando evitar. Nós estamos em uma encruzilhada histórica especial.
Nosso objetivo é garantir que tenhamos um futuro para que as gerações futuras façam a coisa certa, mas existe a possibilidade de explodirmos tudo antes que isso aconteça. Nossa missão é atravessar esse período de trevas para que haja um futuro.
O Oliver diz que ele não espera ver isso na vida dele e, realisticamente, ele pode estar certo, mas nosso objetivo é garantir que haja um futuro.
Stone: Acho que muita gente, através da história, se sentiu da mesma forma. Todo mundo diz que é uma crise agora.
Acho que em 800 DC, se você vivesse na periferia da Grécia ou da Turquia, se sentiria da mesma forma. Todo mundo cria suas crises em seu próprio tempo, então essa é uma história antiga.
Kuznick: Mas é uma história nova, de certa forma, porque os Estados Unidos têm armas nucleares capazes de acabar com a vida no planeta. Em 800 DC eles não podiam acabar com a vida no planeta. Eles podiam sair por aí matando todo mundo sistematicamente mas isso não se compara a uma guerra nuclear.
Stone: Isso é cruel, quando alguém vem te matar.
Por falar em crueldade, nós vimos a crueldade do exército japonês em Nagasaki – exposições sobre o Massacre de Nanking, escravas sexuais dos militares, e a unidade 731 no Museu de Oka Massaharu. Os Estados Unidos também, mesmo depois do uso da bomba atômica, usou armas cruéis como o agente laranja, armas de urânio empobrecido, bombas cluster, drones. A natureza da guerra é cruel, mas no caso dos Estados Unidos parece desenfreado. Existe algum significado histórico nessa crueldade dos Estados Unidos?
Stone: Eu não acredito que os Estados Unidos tenham sido tão cruéis como a Alemanha e o Japão foram. Quer dizer, eu estava no Vietnã. Eu vi o agente laranja ser jogado sobre nós várias vezes. Eu ainda não sei.
Talvez eu venha a ser uma vítima disso. Não penso sobre isso muito, mas sei que muitas pessoas dizem ter sido. Nós vimos o resultado com os vietnamitas. O agente laranja foi o auge da nossa crueldade. Apesar de termos criado o agente mostarda na Primeira Guerra Mundial, nunca o usamos.
A bomba atômica e o agente laranja foram os piores. Quando o Obama fala da Síria e diz que a linha vermelha para a Síria é o uso de armas químicas, que hipócrita filho da puta! Por que ele não olha para a nossa própria história?
Ele provavelmente nem admitiria que usamos armas químicas no Vietnã. E nós fizemos muito barulho porque Saddam Hussein usou armas químicas quando estávamos tentando justificar a invasão do Iraque.
Kuznick: Mas quando Saddam as usou contra os iranianos, nós interferimos por ele na ONU, esvaziando uma resolução que condenava o uso das armas química no Iraque explicitamente. Ele era nosso aliado.
E depois que ele as usou contra os curdos do Iraque em Halabjah, em 1988, os Estados Unidos aumentaram a ajuda financeira para aquele regime vil.
Stone: Então, quem ganha dinheiro com isso? A Dow Chemical lucrou imensamente com o Vietnã mas os estudantes expulsaram os representantes da empresa dos campus universitários.
Mas crueldade, não. Crueldade não é da natureza humana. Existem sempre soldados cruéis em todo país do mundo, pessoas que são racistas, que são estúpidas. Mas como política, os Estados Unidos… veja a simulação de afogamento.
Nós fazemos, mas sempre recuamos, enquanto você tem que admitir que os alemães e japoneses adotaram a crueldade com toda força durante anos. Se eles tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial, nós estaríamos experimentando a Unidade 731 na Manchúria.
Kuznick: Nós não sabemos. É uma dessas incógnitas porque existem outras facetas do Japão também. A crueldade japonesa era extraordinária, mas nós sabemos que os norte-americanos também foram muito cruéis com os japoneses.
Eles executaram prisioneiros de guerra e arrancaram seus dentes de ouro com baionetas. Nós fervemos seus crânios durante a Segunda Guerra e os soldados norte-americanos enviaram os crânios para as namoradas deles. Nós cortamos as orelhas deles. E somamos algumas atrocidades nossas – como bombardear mais de 100 cidades japonesas e as bombas atômicas para as quais não existe justificativa – moralmente ou militarmente – apesar de sete décadas de distorções.
A guerra por si só transforma pessoas e nações em bestas, não todo mundo, mas um número suficiente de pessoas, especialmente quando incentivadas por seus líderes.
Aí você tem o Massacre de My Lai. Aqueles soldados não eram monstros. Eram os escoteiros. Eram os meninos que namoravam sexta-feira à noite no estacionamento. Não começaram como monstros. Mas os Estados Unidos, como disse D. H. Lawrence, “a alma americana é dura, isolada, estoica e assassina”.
Martin Luther King, no discurso “I  have a dream” pediu por um mundo sem racismo. Que tal um mundo sem guerra? Que tipo de liderança é necessário ter para alcançar isso?
Kuznick: O sonho de Martin Luther King não era apenas de igualdade racial. Ele foi um dos primeiros defensores da eliminação das armas nucleares nos Estados Unidos.
Martin Luther King e Coretta Scott King estavam profundamente comprometidos com o fim das armas nucleares. Se opunham profundamente à guerra. King odiava a Guerra do Vietnã. Ele esperou para denunciar, mas o fez muito cedo comparado com a compreensão popular sobre o assunto.
E os demais líderes do movimento de direitos civis tentaram contê-lo. Tentaram calá-lo dizendo: “Você vai esvaziar o movimento de direitos civis se falar sobre a Guerra do Vietnã”. Mas ele disse: “Tenho que fazê-lo”.
Então, não está desconectado. Martin Luther King sabia que a crueldade em uma área está conectada com a crueldade em outra e é preciso ter uma visão holística a respeito da maneira que as pessoas são reprimidas. Isso é o que estamos tentando fazer – não se pode compartimentar historicamente o que aconteceu nos anos 1890 ou nos 1900 e o que está acontecendo hoje.
Nós procuramos os padrões desde o começo, e essa é a chave do nosso projeto The Untold History. Por isso tentamos cobrir um período de tempo tão vasto, porque esses padrões mostram que não eram aberrações. Os padrões mostram que esses acontecimentos estão intrinsicamente enraizados na psique americana, na economia, no exército, na cultura e na sociedade norte-americanas.
Mas também queremos mostrar um outro lado, porque, assim com o Japão, a história norte-americana é uma briga pela alma americana. Em 1941, Henry Luce disse que o século XX deveria ser o século americano, e poucos meses depois o vice presidente Henry Wallace respondeu que o século XX deveria ser, na verdade, o “século do homem comum”.
Aí estão duas visões fundamentalmente conflitantes sobre o que os Estados Unidos devem ser, e isso é o que estamos tentando mostrar. King entendeu isso, e King ficou com Henry Wallace, John Kennedy, Franklin Roosevelt, Eleanor Roosevelt, Eugene Debs, Charlotte Perkins Gilman, Paul Robeson, Howard Zinn, e, algumas vezes, William Jennings Bryan – as forças progressistas da história americana.
Stone: A pergunta que eu levanto é sobre cada líder que surge. Um líder tem que durar, tem que lidar com o poder, e por isso o Kennedy foi especial. Roosevelt foi especial. Roosevelt teve pólio. Kennedy foi ferido na Segunda Guerra Mundial e também tinha a doença de Addison. Acho que é a volta por cima que fabrica os líderes. Nelson Mandela na prisão, e Aung San Su Ki em Burma [Myanmar].
O Japão enfrenta debates históricos sobre o Massacre de Nanking e as escravas sexuais dos militares, e quando tentamos tratar desses assuntos honestamente somos chamados de anti-japoneses. Você também sofre esse tipo de reação? É chamado de anti-americano, anti-patriota? Como lida com as críticas?
Stone: Acho que a credencial mais forte que poderia apresentar seria, primeiro, meu serviço militar no Vietnã, o que é  difícil para eles contestarem. John McCain pode rugir o quanto quiser, mas no fim do dia, ele foi um piloto de bombardeio.
Ele bombardeou pessoas do ar e sabe disso. Eu não entendo a mentalidade do homem, como, depois de se prisioneiro de guerra como ele foi, ele ainda pode ter tanto ódio no coração para os que são vistos como inimigos dos Estados Unidos, possivelmente incluindo, logo, logo, a China.
McCain é o que eu chamaria de um soldado que não evoluiu. Existem muitos. Eu, por outro lado, me sinto bem com a minha missão porque servi honradamente. Para ser honesto, não foi uma guerra honrosa, mas servi honradamente dentro dos limites do meu próprio entendimento a respeito da guerra.
E no fim do dia me tornei um lutador pela paz, que é o que eu sou hoje, não um lutador por mais guerras. E número dois, penso que é muito importante para mim não ter dito nada até ter completado meu décimo oitavo longa.
Falei como um dramaturgo, que é a minha profissão. Não sou um historiador, e não pretendo ser. Não tenho embasamento histórico, mas me importo com a história e posso dramatizá-la bem.
Agora, quando falo como documentarista com o histórico de ter feito filmes, sou criticado por razões tolas. A maneira que me acusaram foi que eu estava inventando a história, e me levou tempo entender. Muitos dramaturgos usaram a história antes, e eu não peço desculpas por fazer um drama histórico.
Nunca disse que estava fazendo documentário e eu não estava fazendo um documentário, nunca, e puseram palavras na minha boca. De qualquer modo, é por isso que sinto que posso falar com convicção agora, sem vergonha.

Por ter lutado no Vietnã, Oliver Stone fala com autoridade sobre o assunto
No fim do seu livro você confia a esperança às pessoas. Os americanos são responsáveis em lidarem com o que se chama de “excepcionalismo americano”, mas a responsabilidade também é das pessoas no Japão e no resto do mundo. O que as pessoas no Japão e no resto do mundo podem fazer, em solidariedade com os cidadãos norte-americanos, para atingir o “século das pessoas comuns”, como disse Wallace, e confrontar e vencer a ganância por poder e controle?
Kuznick: É preciso um esforço internacional na linha que você sugeriu. Estamos tendo respostas muito positivas pelo mundo afora ao que estamos fazendo.
No Reino Unido, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Turquia, Rússia, Bulgária, Israel… a maioria dos países entende os problemas da maneira que apresentamos porque estamos falando diretamente com os norte-americanos, mas também estamos falando com as pessoas do mundo.
A natureza corrosiva do império não afeta apenas as pessoas nos Estados Unidos, mas as pessoas em toda parte. Nós vemos esperança em resposta que estamos recebendo em toda parte, particularmente entre os jovens.
Estamos tentando dar a eles uma compreensão diferente a respeito da história porque acreditamos que a história é a ferramenta. Enquanto as armas dos nossos inimigos são militares, a nossa arma é a história, o conhecimento, o saber, a verdade.
Então a questão é, qual é a força da honestidade e da verdade contra a força dos canhões, das bombas, dos submarinos e da tecnologia de vigilância? Essa é a nossa batalha.
Já vimos a verdade vencer em algumas situações, prevalecer sobre a força militar e é isso que estamos fazendo, e isso é um esforço global. Achamos que as pessoas no Japão devem repudiar o AMPO [tratado militar com os Estados Unidos] junto com as bases norte-americanas, assumir a liderança na briga pela abolição das armas nucleares e começar a falar a verdade sobre sua própria história.
Nós queremos que vocês façam isso em solidariedade ao povo norte-americano. Nós sabemos que a sociedade japonesa tende ao conformismo, ao contrário de fazer ondas. Mas depois de Fukushima, começamos a ver os japoneses se organizando para protestar.
Isso aconteceu nos anos 60 com AMPO e Vietnã, e nunca mais aconteceu em uma escala tão grande. Então, esperamos que os japoneses, incluindo aí o bravo povo de Okinawa, e as pessoas ao redor do mundo se unam a nós nesse esforço.
Achamos que o projeto Untold History é um veículo em torno do qual todos podem se mobilizar. Nós estamos todos no mesmo barco quando falamos de governos que mentem sobre o passado. Eles mentem porque sabem que podem escapar ilesos. Mas estamos dizendo que eles não podem.
Oliver Stone, cineasta, ganhou vários Oscars com filmes como PlatoonWall StreetJFKBorn in the Fourth of JulyNatural Born KillersSalvador e W. Ele e Peter Kuznick são co-autores do Untold History of the United States, um documentário de 10 partes exibido pelo Showtime Network, e do livro que tem o mesmo título, publicado pela Simon & Schuster, em 2012.
Peter Kuznick é professor de história e diretor do Instituto de Estudos Nucleares da American University. Autor de Beyond the Laboratory: Scientists as Political Activists in 1930s America.

DATAFOLHA MOSTRA VITÓRIA DE DILMA EM PRIMEIRO TURNO

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Levantamento aponta que ela teria 42%, contra 21% de Aécio Neves e 15% de Eduardo Campos; se os candidatos fossem José Serra e Marina Silva, haveria segundo turno; no entanto, em todos os cenários, Dilma venceria seus oponentes; levantamento é o primeiro realizado após a mudança no quadro político, com a permanência de Serra no PSDB e a ida de Marina para o PSB
247 - O primeiro levantamento realizado após a migração de Marina Silva para o PSB e permanência de José Serra no PSDB, deixando o quadro sucessório com apenas três candidatos, mostra que, se as eleições fossem hoje, a presidente Dilma Rousseff venceria em primeiro turno. No entanto, por uma margem não muito confortável.
De acordo com o Datafolha, ela teria 42% das intenções de voto, contra 21% de Aécio Neves, do PSDB, e 15%, de Eduardo Campos. Ou seja: o PT teria 42% contra a soma de 36% dos adversários e uma leve mudança de humor poderia provocar um segundo turno.
O mesmo instituto também fez uma pesquisa substituindo Aécio por Serra e Campos por Marina. Nesta, Dilma teria 37%, contra 28% de Marina e 20% de Serra, ou seja, 37% para o PT e 48% para os adversários.
Foram também realizadas diversas simulações de segundo turno e, em todas, a presidente Dilma vence seus oponentes. Contra Marina, ganha por 47% a 41%. Contra Serra, por 51% a 33%. Contra Aécio, 54% a 31%. Contra Campos, 54% a 28%.
Confira, abaixo, os quatro cenários do Datafolha:
Cenário A
Dilma 42%
Aécio 21%
Campos 15%
PT 42%
Adversários 36%

Cenário B
Dilma 39%
Marina 29%
Aécio 17%
PT 39%
Adversários 46%

Cenário C
Dilma 40%
Serra 25%
Campos 15%
PT 40%
Adversários 40%

Cenário D
Dilma 37%
Marina 28%
Serra 20%
PT 37%
Adversários 48%
pesquisasdataf

Para ler o Datafolha

Sem discordar do meu companheiro Miguel do Rosário, e concordando plenamente com ele de que nada é definitivo, minha visão sobre a pesquisa divulgada hoje pela Folha se volta para outros pontos.
Talvez, até, pelos anos a mais que tenho de janela – com as dores nas costas correspondentes… –   assistindo o jogo das pesquisas.
Quem acompanha eleições há muito tempo sabe que o Datafolha não fabrica índices nas pesquisas, apenas “ajeita” as pesquisas para, dentro da realidade eleitoral, corresponderem àquilo que pensam ser mais conveniente. No final, quando se aproximam as eleições, tudo se acerta.
Ainda não vi, porque não está disponível, o mapa completo da pesquisa, mas nem é preciso, para observar onde está o “gatilho” desta vez.
Nas demais pesquisas, o levantamento de campo se dava em dois e até três dias. Foram dois na pesquisa de julho e três na de agosto.
Nesta, agora, apenas um, embora o tamanho da amostra seja basicamente o mesmo da do mês passado.
E é obvio que a pesquisa, a primeira depois da data fatal de filiação partidária, estava prevista desde muito antes, porque todos sabiam poderia haver duas novidades: Marina deixar a disputa, por falta de partido, ou Serra entrar diretamente nela, trocando o PSDB pelo PPS.
A rapidez não foi, portanto, um improviso, como não foi ao acaso, a escolha da sexta-feira para a coleta, e cedo, porque os dados precisavam ser auditados e tabulados para a edição nacional, que fecha às 21 horas.
Porque na sexta, apenas?
Simples, porque na quinta à noite Campos e Marina ocuparam uma rede de televisão, se alternando num “lança que eu chuto” e outro “levanta que eu corto”.
Ou seja, um “recall” fresquinho de rede nacional de TV, isso depois de uma semana inteira de superexposição midiática.
Logo, a pesquisa Datafolha deve ser, toda ela, lida como um “ainda assim” antes.
Ainda assim, Dilma sobe em relação à pesquisa anterior em qualquer das situações propostas aos entrevistados.
Ainda assim, diz o próprio jornal “os números de ontem sugerem que o espólio eleitoral de Marina foi dividido de forma quase idêntica entre Dilma, Aécio e Campos. A petista teria herdado 7 pontos; o tucano, 8; o socialista agora apoiado por Marina, 7″.
Portanto, ainda assim, como rede de TV, e “overmídia”,  menos de um terço dos possíveis eleitores de Marina vão para Campos, apesar de, em tese, nao faltar informaçao sobre o (será mesmo?) apoio da ex-senadora ao pernambucano.
A grande novidade da pesquisa, esta “vindo do além, é que Serra é apresentado, pela primeira vez, como um candidato com viabilidade significativamente maior do que Aécio e, mais ainda, aquele que garantiria o segundo turno que, de outra forma, teria a “fatura liquidada” com a vitória de Dilma.
Essa, sim, cai como gasolina na fogueira de ambição de Serra, que também já tinha estes indicadores e saiu das sombras, pela primeira vez, nesta semana de “marinada”.
Tem números para evocar o fantasma de 32 e reacender o “fator São Paulo” que é, como dizem os camponeses uruguaios, “donde lo hay”.
Portanto, uma leitura atenta destes dados, filtrada pelo “ainda assim” que fica evidente, mostra que Aécio e Campos saíram como os derrotados desta rodada. E Serra e Marina prontos para continuar a exercer as pressões sobre seus “candidatos postos” pelos métodos que sabemos.
E Dilma, ainda sem Lula ter acendido o farol de seu prestígio para guiar o eleitor, segue tranquila, com lastro para enfrentar a tempestade de mídia que vem pela frente.
O Datafolha? O Datafolha, perdoem-me o chulo do ditado, só comprova o jocoso chiste sobre a estatìstica ser como a minissaia: mostra tudo, mas encobre o essencial.
Por: Fernando Brito