Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Veja bate todos os recordes de desonestidade

 
Murdoquianas

Mino Carta
Aprendi jornalismo com meu pai, Giannino. A questão central do aprendizado dizia respeito ao compromisso moral, antes ainda que ético. Moral no sentido imanente, a transcender o momento fugidio. Neste ponto, a lição deu-se pelo exemplo, sem desperdício de palavras, pois a regra valia em todos os níveis do comportamento humano no exercício complexo da existência.

Meu pai, como muitos outros profissionais de qualidade, acreditava que jornalismo exige, em termos técnicos, quase nada de quem o pratica, ao contrário, por exemplo, da medicina. Aprende-se tudo em dois meses na redação, ou menos ainda. Um cidadão munido de algum talento para a escrita e de razoável cultura geral tem todas as condições de ser competente como jornalista, mas o compromisso moral é indispensável ao correto cumprimento da tarefa. Jornalismo implica, é fácil entender, responsabilidades imponentes.

As ideias políticas de meu pai não eram iguais às minhas, no entanto, a questão moral nos unia. Foi ele quem me ensinou, sem permitir-se ministrar lições, que a objetividade é a da máquina de escrever, hoje diria do computador. Desconfiem do jornalista que a afirma e a toda hora a proclama. Dele pretenda-se a honestidade. Jornalista honesto é aquele que conta os fatos exatamente como os viu, sem omitir aspecto algum indispensável à compreensão da audiência, na fidelidade canina à verdade factual.

Na minha visão, a mídia nativa peca de todos os pontos de vista. Ela não prima na lida com o vernáculo e pelo bom gosto. Leitores, ouvintes, espectadores dotados de espírito crítico sabem disso. Peculiares, digamos assim, são os critérios que orientam a hierarquização das informações e atrabiliários aqueles que ditam as manchetes. Às vezes pergunto aos meus perplexos botões: que farão eles se eclodir a guerra?

Os jornais são feios e mal impressos, do encontro com eles sai-se de mãos sujas. As seções de cultura destinam-se claramente a indigentes, e as colunas sociais, banidas há muitas décadas nos países civilizados, são mantidas para falar daquelas 837 inextinguíveis personagens. Comparada com a mídia de outras nações, a nativa habilita-se a inspirar sentimentos de pena em almas caridosas.

Cabe registrar, porém, algo pior, muito pior. Ao noticiar os fatos da política, ou quaisquer outros relacionados com o jogo do poder, a mídia nativa é profundamente desonesta. Desde sempre, arrisco-me a sustentar. Ou, por outra, omite, inventa, mistifica, mente, tempo adentro, certa de que nada acontece se não for notícia nos seus espaços. E tão segura na crença a ponto de se tornar vítima de si mesma ao enxergar a verdade onde não está e viver uma miragem compartilhada por quantos se abeberam à sua fonte.

O conjunto da obra está longe de ser animador. De todo modo, o assunto da reportagem de capa desta edição, a revelar as parcerias entre a revista Veja e o contraventor Cachoeira, soa-me inédito. Não recordo situação similar na história do jornalismo brasileiro. Não é que o enredo derrube meu queixo. Desta Veja nada justifica espanto, inclusive por ganhar a absoluta primazia no desrespeito à questão moral, antes ainda que ética. Que me lembre, nunca houve órgão midiático, ou jornalista, capaz de chegar tão longe.

Como haverão de reagir os barões e seus sabujos? Quando surgiram os primeiros sinais da relação Veja-Cachoeira, logo anotados por CartaCapital, fomos animadamente criticados, ou ignorados. O que, aliás, faz parte de hábitos e tradições. Sim, o Brasil não é um daqueles países onde, se o tema é importante, e válido porque baseado em fatos reais, contará com o interesse geral independentemente de quem o levantou. A mídia lhe seguirá as pegadas imediatamente.
O exemplo mineiro. Três capas entre novembro de 2005 e junho de 2006. As denúncias baseadas na
verdade factual foram recebidas pelo retumbante silêncio midiático
Exemplo não muito distante, o chamado mensalão mineiro. A respeito, CartaCapital, entre novembro de 2005 e junho de 2006, publicou três reportagens de capa, acolhidas, obviamente, pelo silêncio retumbante da mídia. Diga-se que, em qualquer latitude de nossa política, o esquema de corrupção é sempre o mesmo. Não pretendo esclarecer agora as razões pelas quais aos tucanos tudo se perdoa. Observo apenas que de súbito uma ou outra coluna evoca nestes dias as mazelas cometidas sob a proteção do ex-governador Eduardo Azeredo, com a expressão arguta de quem avisa: depois não digam que não falamos disso…

A desfaçatez da turma não tem limites. E por que não falaram na hora certa? Neste exato instante, não me surpreenderei se o silêncio do abismo se fechar sobre as façanhas murdoquianas de Veja.


Cadê os fatos ?

O “mensalão” virou marketing político, as lideranças do PT são linchadas.


O Conversa Afiada reproduz texto do deputado Cândido Vaccarezza, publicado na Folha (*):

Aos fatos



Cândido Vaccarezza

O “mensalão” virou marketing político, as lideranças do PT são linchadas. A única confissão é de caixa dois. Compra de votos é um devaneio, não era preciso

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento dos 38 réus acusados pela ação penal 470, conhecido como “mensalão”. Muitos argumentaram que a coincidência desse julgamento com o calendário das eleições municipais seria prejudicial ao governo e ao PT, porque a oposição tentará capitalizar politicamente o evento.

Penso o contrário, pois, ao trazer à tona os autos do processo, esse julgamento permitirá um debate menos marcado pelos interesses político-partidários e ideológicos. As versões darão lugar aos fatos. As acusações sem provas e a condenação por antecipação serão substituídas pela análise imparcial do STF.

Incapaz de derrotar o PT nas urnas e de confrontar com propostas os governos Lula e Dilma, nos últimos anos a oposição transformou sua versão do “mensalão” em uma peça de marketing político, fazendo pesadas acusações e promovendo o linchamento público de lideranças do partido.

As acusações foram muito violentas: o nome “mensalão”, por exemplo, pressupõe um pagamento mensal a parlamentares, mas nenhum ato desta natureza foi provado. Nem os acusadores falam nos autos de pagamento mensal.

Formação de quadrilha, então, todos sabem que é uma acusação leviana, que carece de base material. O ex-vice-presidente da República, José Alencar, disse em depoimento que havia uma aliança entre PT e PL que previa uma divisão dos recursos auferidos para a campanha e que o repasse foi feito para quitar dívidas assumidas pelo PL durante o processo eleitoral.

Em relação à suposta compra de deputados para votar no governo, estamos diante de um devaneio, pois nenhum dos acusados precisaria de dinheiro para apoiar o governo. A maioria absoluta fez oposição ao governo anterior e ajudou o PT a ganhar as eleições. Portanto, seria um contrassenso alguém achar que estes precisariam ser “comprados para apoiar o governo”. Imagine um deputado do PT votando contra um governo do PT…

Quanto à acusação de corrupção ativa e passiva, sabemos que não houve dinheiro público envolvido ou obras contratadas com corrupção de agentes públicos. Na realidade, houve empréstimo bancário feito pelo PT. Boa parte do que se chama de “provas do esquema” se baseia em resgates bancários feitos por pessoas devidamente identificadas na boca do caixa.

Todo o crime deve ser julgado e os responsáveis punidos. Neste caso, houve uma confissão de caixa dois, só que a acusação resvalou, por interesse políticos, para outros tipos de crimes, mais graves e de grande potencial de desmoralização dos acusados.

O julgamento concomitante com o processo eleitoral desmistificará o caráter das acusações. A sociedade está madura e sabe separar o joio do trigo. Foi assim em 2006, em 2008, em 2010 e agora.

O tema foi exaustivamente usado e abusado pela oposição e por boa parte da mídia. Virado e revirado, faltaram provas para as acusações. A versão dos réus terá, mesmo que ofuscada por opiniões da oposição e de certos setores da mídia, de ser divulgada e a sociedade fará o seu juízo.

O Supremo decide no seu ritmo e de acordo com os autos, não se submetendo a pressões de uns ou de outros. E decisão do Supremo, na democracia, não se discute; cumpre-se. Já existem afoitos falando que o Supremo está sendo julgado, tese autoritária e descabida.

As eleições serão ganhas pelos escolhidos pelo povo.

CÂNDIDO VACCAREZZA, 56, é deputado federal pelo PT-SP



(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é,  porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.



 

Política e Direito no STF: o Caso "Mensalão"


*"Tu me seguirás, Robespierre!"  A frase profética de Danton, quando se encaminhava para a guilhotina, condenado sem qualquer prova por sentença puramente política, é uma boa lembrança para os que festejam, hoje, a pré-condenação dos réus pela mídia" (Tarso Genro; artigo  indispensável sobre o julgamento no STF; nesta pág)

Os principais julgamentos numa alta Corte são predominantemente julgamentos políticos, porque eles sempre interpretam princípios e põem os fatos sob as lentes da ideologia e da cultura de cada Magistrado. O que a Constituição e a Lei determinam são os limites destas influências, que organizam qualquer ordem jurídica: são os limites que marcam e estruturam o Estado de Direito inscrito na Constituição. Não julgar contra as provas ou não condenar sem provas; não aceitar a emoção pública como decisiva para julgar, não permitir que o espírito de linchamento predomine. O artigo é de Tarso Genro.

Depois de nomeado para a Corte Suprema dos Estados Unidos em 1937 descobriu-se que o novo integrante, o Juiz Hugo Black, fora membro da Klu Klux Klan no seu estado de origem, o Alabama. Erguendo-se acima dos seus preconceitos políticos e raciais, no processo 309 U.S. 227 (1940) (que chegou em grau de recurso àquela Corte), o Juiz - que militara na organização racista - proferiu um dos votos mais memoráveis da época, que se tornou jurisprudência modelar na luta pelos direitos civis no mundo inteiro.

No processo judicial em revisão, cidadãos negros tinham sido condenados por assassinato, com base em confissões obtidas sob violência e humilhação, portanto, sem provas obtidas legalmente. No impulso das emoções insufladas por aquela cultura reacionária predominante no Sul, mais uma injustiça brutal iria se perpetuar e foi tolhida pela coragem do Juiz Black.

O importante no voto-paradigma não foi a mudança da personalidade política do Juiz naquele julgamento, que a história já registrou em outras oportunidades com outros personagens: o ser humano gigantesco erguendo-se além das suas circunstâncias. A importância do seu voto foi para o Direito, os “fundamentos” da sua posição, acolhida pela Corte. Os fundamentos jurídicos, que expressam os princípios da Constituição, são o refúgio moral e jurídico em que um grande Juiz pode se abrigar, para resistir às circunstâncias da política e da força das emoções públicas. Estas podem ser manipuladas por interesses que se pretendem acima da lei e do ordenamento democrático legítimo, mas os princípios estão ali, na Constituição, à espera para se transformarem em fundamentos, em cada caso concreto.

Os principais julgamentos numa alta Corte são predominantemente julgamentos políticos, porque eles sempre interpretam princípios e põem os fatos sob as lentes da ideologia e da cultura de cada Magistrado. O que a Constituição e a Lei determinam são os limites destas influências, que organizam qualquer ordem jurídica: são os limites que marcam e estruturam o Estado de Direito inscrito na Constituição, para que Política e Direito sejam compatibilizados em cada decisão. Não julgar contra as provas ou não condenar sem provas; não aceitar a emoção pública como decisiva para julgar: não permitir que o espírito de linchamento predomine sobre a verdade ficta, que está contida no devido processo legal. Esta foi a lição imorredoura do Juiz Black.

“Sob o nosso sistema constitucional - proferiu o Juiz Black - os tribunais permanecem firmes, contra quaisquer ventos que soprem, como céus de refúgio para aqueles que podiam de outro modo sofrer por serem desamparados, fracos, a minoria, ou porque são vítimas não conformadas de erros e emoção pública. (...) Nenhum dever mais alto, nenhuma responsabilidade mais solene, repousa sobre esta Corte, do que a de traduzir em Direito vivo e manter este escudo constitucional deliberadamente planejado e escrito para o benefício de todo o ser humano sujeito à nossa Constituição - de qualquer raça, credo ou tendência.”

O que a sociedade brasileira tem o direito de exigir neste caso é simplesmente que os réus do mensalão sejam julgados (condenados ou não), segundo as provas do processo e não em função dos apelos furiosos da maioria da mídia contra o governo Lula e contra o PT.

A mídia, a extrema esquerda udenista, a direita neoliberal derrotada nas eleições, devem se lembrar que um dia poderão estar sendo julgados por algum Tribunal (muitos já estão), e que a garantia dos seus direitos é estar no julgamento segundo a Lei e a Constituição. Nelas é que o Estado de Direito põe freios às ideologias e às preferências políticas, contidas em algum lugar na cabeça de cada Magistrado, sejam elas quais forem.

A frase profética de Danton, quando se encaminhava para a guilhotina, condenado sem qualquer prova por sentença puramente política da Convenção - no amanhecer da Revolução - é uma boa lembrança para os que festejam, hoje, a pré-condenação dos réus pela mídia, que pressiona o Supremo para segui-la, mesmo sem provas: “Tu me seguirás, Robespierre!”

Entendo que no Brasil, após a Constituição de 88, está em curso uma verdadeira Revolução Democrática “dentro da ordem” como classificava Florestan Fernandes. Ambígua, difícil, desigual, mas que põe em movimento um conjunto de conflitos, mediações, consensos que têm apontado para abrir a cidadania política e social para dezenas de milhões de pessoas do povo. Revolução Democrática que subverte hierarquias de poder instaladas, primeiro pela colônia e a escravidão, depois pela ditadura. Sob esta ótica é que abordo a questão do “mensalão” e seu processo.

​O Brasil não será mais o mesmo depois do julgamento do chamado “mensalão”. De uma parte, porque é o segundo teste profundo do funcionamento das instituições forjadas no Estado de Direito da Constituição de 88, que terá também um grande impacto na vida política nacional. De outra, porque - independentemente da responsabilidade penal que a decisão do STF vai conferir aos réus - nunca projetou-se de maneira tão contundente na democracia, uma tentativa de destruição de um Partido, como está sendo feito agora com o Partido dos Trabalhadores.

Este movimento, aliás, foi confortado por um lamentável equívoco do digno Procurador Roberto Gurgel, que alegou que os atos apontados como criminosos visavam sustentar um projeto de permanência no poder do Partido dos Trabalhadores. Ou seja: a Procuradoria criminalizou toda uma comunidade partidária, através do extravasamento das responsabilidades individuais dos réus, como se as instâncias do PT tivessem decidido o assalto ao poder pela via do crime comum. O que dá para desconfiar é que não tendo amealhado provas o Ministério Público resolveu - pela política - incriminar em abstrato toda a comunidade partidária. Isso é grave, pois torna também a condenação dos indivíduos a penalização em abstrato de um projeto político democrático.

​O processo do “mensalão”, como paradigma de funcionamento institucional do país, só foi superado em importância pelo impedimento do Presidente Collor. E a tentativa de liquidação do PT só tem comparação com as campanhas anticomunistas realizadas no Brasil, após o golpe de 64. Mesmo assim, a existência de um processo judicial regular para apuração de responsabilidades é uma vitória da ordem jurídica do país. Mas a sobrevivência do PT como está ocorrendo, mesmo com os ataques reiterados ao seu patrimônio moral e político, é também uma vitória da democracia e mais do que isso: é uma vitória da estratégia da Revolução Democrática no Brasil.

​Do ponto de vista do futuro do país, no contexto da Revolução Democrática, o que menos interessa agora é se os fatos narrados pelo Ministério Público como fatos delituosos existiram ou deixaram de existir. Nos processos judiciais a verdade é sempre ficta, mais, ou menos próxima da verdade concreta. A sua construção no processo judicial, todavia, é a única maneira de aproximar um julgamento dos ideais da Justiça previstos no “dever-ser” da Constituição e isso significa julgar segundo as provas. O que mais interessa à sociedade, portanto, é se as garantias do devido processo legal estão sendo plenamente respeitadas. O que interessa à sociedade é que os réus tenham um julgamento justo, dentro do ordenamento democrático vigente.

Para os que defendem o futuro da democracia como modo de vida, como organização do Estado de Direito Democrático e Social, é em julgamentos como este que Direito e Política compõem uma única totalidade. São os casos, também, em que as desigualdades inerentes à democracia podem se apresentar por inteiro, como decisões de Estado, ou encobrir privilégios e render-se às pressões das mídias poderosas, sem promoverem um julgamento justo. Eis o dilema que enfrenta o STF.

​Os indivíduos que estão no processo - refiro-me aos militantes, originários de um contexto de luta por mudanças políticas e econômicas na sociedade brasileira - são, ao mesmo tempo, réus de um “devido processo legal” de natureza criminal e sujeitos passivos de uma vingança da reação política contra os governos do Presidente Lula. Esse é o contexto que o STF enfrenta, composto que é, de juízes-juristas-políticos, como são todos os Magistrados nas Cortes Supremas de todos os países. Sair bem deste conflito é julgar conforme as provas.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul


Fotos: Felipe Sampaio/SCO-STF