Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

Mente vazia, oficina do sistema da mídia golpista

domingo, 19 de dezembro de 2010

Sem políticos não há democracia


Há desonestos em todos os setores da sociedade. Há médicos que molestam sexualmente as suas pacientes, há advogados que prestam serviços a criminosos, há policiais que cometem crimes, há padres que praticam pedofilia e, claro, há jornalistas que só opinam o que o patrão manda… Por que, então, não haveria políticos que roubam dinheiro público?
A discussão que setores da imprensa desencadearam por conta do aumento dos salários dos políticos detentores de mandatos eletivos ignora (propositalmente) a inegável premissa do primeiro parágrafo e tenta pintar toda a classe política como corrupta, incompetente e abusadora dos privilégios dos cargos públicos.
A desqualificação generalista da classe política foi incutida pela “grande” imprensa nas mentes de expressiva parcela da sociedade ao longo da história da República. A tática é oriunda das elucubrações da ponta superior da pirâmide social e visa impedir que oportunidades se redistribuam em um dos dez países em que são mais concentradas.
Cabe reproduzir interessante observação do leitor Marcos Inácio Fernandes sobre post  anterior que versou sobre o mesmo tema que será tratado neste post. Marcos bem lembrou que o parlamento remunerado foi uma conquista dos trabalhadores no âmbito do Movimento Cartista do século XIX, na Inglaterra, desencadeado, por sua vez, no âmbito da Revolução Industrial.
O Movimento Cartista (1837-1848) foi organizado pela Associação dos Operários, que exigia melhores condições de trabalho, pedindo limitação de oito horas para a jornada laboral, regulamentação do trabalho feminino, extinção do trabalho infantil, folga semanal e salário mínimo, entre outros.
Mas talvez a parte mais relevante do movimento tenha sido a luta por direitos políticos como o estabelecimento do sufrágio universal e o fim do voto censitário, que só delegava direito de voto a quem se enquadrasse em um perfil que englobava gênero, renda, religião e outros valores que nada têm que ver com o direito de votar e ser votado.
No âmbito dos direitos políticos, a fim de que qualquer cidadão pudesse disputar um mandato eletivo, logrou-se estabelecer remuneração aos que chegassem a cargos públicos pelo voto, sobretudo como parlamentares. Foi a fórmula encontrada para impedir que só os ricos exercessem o poder.
Diante do fato consumado de que qualquer um pode se eleger e ser pago para exercer mandato eletivo, os que prefeririam que o país fosse administrado pelo topo da pirâmide social vêm tratando de criminalizar o uso de dinheiro público para permitir que até o cidadão mais humilde possa se eleger vereador, deputado, senador, prefeito, governador e até presidente da República.
Diante de argumentações racionais sobre as razões da elite midiática para enfraquecer a classe política e, assim, mantê-la refém de seus desejos, impérios de comunicação que pretendem governar o país através de notas e “informações” manipuladas vieram agora com certas comparações sobre o salário dos parlamentares brasileiros e os de países ricos, que ganham menos do que os nossos.
O primeiro sintoma de má fé dessa campanha difamatória e generalista contra a classe política reside no uso da correlação entre o PIB per capita e o novo salário de deputado. Comparam países ricos – em que o PIB per capita é maior – com o Brasil – que devido à sua enorme população tem uma correlação bem mais modesta do PIB per capita – sem explicar nada.
Países que têm algumas poucas dezenas de milhões de habitantes e alto desenvolvimento industrial , como no caso da Inglaterra, obviamente que têm uma correlação mais alta entre PIB per capita e salário de parlamentares do que um país semi-industrializado que tem duas centenas de milhões de habitantes, como é o Brasil.
Em países ricos, que têm sociedade educada, digno padrão médio de vida e leis que valem para todos, a corrupção é muito mais difícil de ocorrer porque a imprensa não cai matando só em cima dos políticos corruptos, como no Brasil, mas também em cima dos corruptores, que em países como o nosso são deixados em paz por serem grandes anunciantes.
Pagar bem ao político brasileiro, portanto, é imperativo. Em um país como este, um cidadão como o autor deste texto teria dificuldade de se eleger e, assim, deixar a sua atividade profissional – comércio exterior – de lado para se dedicar ao serviço público devido ao fato de que se depois de um mandato de quatro anos não fosse reeleito teria que recomeçar a vida do zero, pois se afastar de sua profissão por tanto tempo o deixaria fora do mercado.
A intenção da criminalização da classe política é justamente essa. Baixos salários favorecem a imprensa de propriedade de grupos econômicos que precisam justamente de uma classe política mal-paga e, assim, suscetível a corrupção e a coação por meio de ameaça de denúncias no noticiário.
Não que altos salários sejam garantia de que um deputado, por exemplo, não irá se corromper. Como já foi dito, há políticos, advogados, médicos e até jornalistas corruptos, para os quais dinheiro nunca é demais. Daí a dizer que todos eles se corromperão pelo que fazem alguns, é outra história – é má fé.
Alguém já viu uma campanha da mídia dessa envergadura contra o salário de juízes, por exemplo? São os salários mais altos, aos quais acabam de ser equiparados os salários dos parlamentares e chefes do Executivo. Mas o senso comum diz que juízes devem ser bem pagos para não tomarem decisões movidos por propinas oferecidas pelos que serão julgados.
Aí ninguém contesta o argumento, pois é óbvio que juiz mal pago – ou melhor, que não seja muito bem pago – certamente correria maior risco de se vender, até por conta do poder que tem para fazê-lo sem ser descoberto. Mas a mídia não gosta muito de brigar com juízes, pois precisa deles o tempo todo. E muito menos com corruptores-anunciantes.

Tucano exótico defende racionalidade e rejeita neoliberalismo

 

Por quem é mais racional
Luiz Carlos Bresser-Pereira
A crise demonstra que os governos dos Estados são mais racionais que agentes privados e suas empresas
Durante os 30 anos neoliberais aprendíamos que o Estado era a fonte de todos os males; que o setor privado estava sempre equilibrado porque era coordenado pelo mercado, enquanto que o Estado -regido pela política- era objeto do populismo econômico e se constituía em um obstáculo maior ao crescimento com estabilidade.

Além de antidemocrática, a tese era falsa, porque as crises financeiras demonstraram através dos tempos que o mercado jamais foi capaz de controlar o comportamento especulativo dos agentes privados.

E era meia verdade em relação ao Estado, porque há políticos populistas, mas a maioria é responsável fiscalmente, porque sabe que dessa responsabilidade depende sua sobrevivência.

O que não estava claro era que os grandes deficit financeiros do Estado eram devidos ao setor privado, não ao populismo dos políticos.

Quando estoura uma crise bancária, o Estado, primeiro, age como um emprestador de última instância para socorrer os bancos, e, em seguida, aumenta os seus gastos para restabelecer a demanda agregada e evitar o colapso do sistema econômico.

Em consequência desses dois fatos, incorre em grande deficit público, e a dívida pública se torna muito elevada não obstante não tenha havido irresponsabilidade fiscal.

Este fato tornou-se patente em relação aos grandes países ricos na crise financeira global de 2008.
Na maioria dos casos os governos estavam com suas contas equilibradas; a irresponsabilidade foi privada e se expressou em bolhas de ativos: de imóveis, de commodities, e do mercado acionário.

Quando a crise arrebentou, apenas o Estado tinha condições de socorrer o setor privado. Foi o que fez; em consequência, seu deficit público e sua dívida pública explodiram.

Estes fatos podem ser observados de maneira clara em um país pequeno como a Irlanda, que, agora, está na crista da crise financeira de 2008, hoje transformada em quase-estagnação dos países ricos.

O governo estava com seu deficit público sob controle, de forma que, entre 2004 e 2007, a dívida pública diminuiu de 30% para 25% do PIB. Entretanto, quando rompeu a crise e os bancos quebraram, o deficit público explodiu e, neste ano, se forem considerados os aportes aos bancos, o deficit público será de 32% do PIB! Em consequência, a dívida pública já no ano da crise subiu para 44%, em 2009 foi para 65%, e neste ano deverá alcançar 99% do PIB!

O caso é exemplar. E a crise como um todo mostra uma coisa mais geral: os governos dos Estados são mais racionais do que os agentes privados e suas empresas. Sim, mais racionais.

O político toma decisões com razoável conhecimento das consequências de seus atos, enquanto que os agentes privados fazem profecias autorrealizadas ao preverem o aumento dos preços dos ativos e os comprarem.

Entram, assim, em um ciclo irracional de manias, euforias e crises. Em outras palavras, as bolhas de ativos surgem, crescem e explodem porque compras de ativos promoveram a valorização prevista.

Não estou sugerindo que o mercado seja uma instituição de coordenação econômica que possamos dispensar. É insubstituível. Mas desde que permanentemente regulado e rerregulado por quem é mais racional: o Estado.


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